Energia escura e matéria escura do Universo recalculadas com exatidão. E algo não bate certo

NASA/CXC/U. Texas

G299 é um remanescente de uma classe particular de supernova chamada Tipo Ia.

A medição mais precisa até agora realizada da composição e expansão do Universo confirma que “algo não bate certo” na nossa compreensão do cosmos.

Os astrofísicos realizaram uma nova e poderosa análise que estabelece os limites mais precisos até agora na composição e evolução do Universo. Com esta análise, apelidada de Pantheon+, os cosmólogos encontram-se numa encruzilhada.

A Pantheon+ permitiu determinar convincentemente que o cosmos é composto por cerca de dois-terços de energia escura e um-terço de matéria – na sua maioria sob a forma de matéria escura – e tem vindo a expandir-se a um ritmo acelerado ao longo dos últimos milhares de milhões de anos.

No entanto, a Pantheon+ também cimenta um grande desacordo sobre o ritmo dessa expansão — que ainda tem que ser resolvido.

Ao colocar as teorias cosmológicas modernas predominantes, conhecidas como o Modelo Padrão da Cosmologia, numa base evidenciária e estatística ainda mais firme, Pantheon+ fecha ainda mais a porta a enquadramentos alternativos que contabilizam a energia escura e a matéria escura.

Ambas são os fundamentos do Modelo Padrão da Cosmologia, mas ainda não foram diretamente detetadas e estão entre os maiores mistérios do modelo.

No seguimento dos resultados do Pantheon+, os investigadores podem agora prosseguir com testes de observação mais precisos e aperfeiçoar as explicações para o cosmos ostensivo.

“Com estes resultados Pantheon+, somos capazes de colocar as restrições mais precisas até à data na dinâmica e história do Universo”, diz Dillon Brout, investigador do Centro para Astrofísica | Harvard & Smithsonian.

“Examinámos os dados e podemos agora dizer com mais confiança do que nunca como o Universo evoluiu ao longo dos éons e que as melhores teorias atuais sobre energia escura e matéria escura se mantêm fortes”.

Brout é o autor principal de uma série de artigos científicos que descrevem a nova análise Pantheon+, publicados num número especial da revista The Astrophysical Journal.

Pantheon+ baseia-se no maior conjunto de dados do seu género, compreendendo mais de 1500 explosões estelares chamadas supernovas do Tipo Ia.

Estas explosões brilhantes ocorrem quando estrelas anãs brancas – remanescentes de estrelas como o nosso Sol – acumulam demasiada massa e sofrem uma reação termonuclear.

Uma vez que as supernovas do Tipo Ia têm um brilho superior ao de galáxias inteiras, estas detonações estelares podem ser vislumbradas a distâncias que excedem os 10 mil milhões de anos-luz, ou voltar atrás no tempo até cerca de três-quartos da idade total do Universo.

Dado que as supernovas têm um brilho intrínseco quase uniforme, os cientistas podem utilizar o brilho aparente das explosões, que diminui com a distância, juntamente com as medições do desvio para o vermelho, como marcadores do tempo e do espaço.

Essa informação, por sua vez, revela a rapidez a que o Universo se expande durante épocas diferentes, que é depois utilizada para testar teorias sobre os componentes fundamentais do Universo.

A descoberta revolucionária, em 1998, da expansão acelerada do Universo, deveu-se a um estudo de supernovas do Tipo Ia feito desta maneira.

Os cientistas atribuem a expansão a uma energia invisível, portanto denominada energia escura, inerente ao tecido do próprio Universo.

As décadas seguintes de trabalho continuaram a compilar conjuntos de dados cada vez maiores, revelando supernovas ao longo de uma gama ainda mais ampla de espaço e tempo, e o Pantheon+ reuniu-os agora na análise estatisticamente mais robusta até à data.

“Em muitos aspetos, esta última análise Pantheon+ é o culminar de mais de duas décadas de esforços diligentes de observadores e teóricos de todo o mundo na decifração da essência do cosmos”, diz Adam Riess, um dos vencedores do Prémio Nobel da Física em 2011 pela descoberta da expansão acelerada do Universo,

Riess, professor na Universidade Johns Hopkins e do STScI (Space Telescope Science Institute) em Baltimore, no estado norte-americano de Maryland, é também um ex-aluno da Universidade de Harvard, com um doutoramento em astrofísica.

A própria carreira de Brout em cosmologia remonta aos seus anos de licenciatura na Universidade Johns Hopkins, onde foi ensinado e orientado por Riess.

Na John Hopkins, Brout trabalhou com o então estudante de doutoramento e também orientado por Riess, Dan Scolnic, que é agora professor assistente de física na Universidade Duke e outro coautor da nova série de trabalhos.

Há vários anos, Scolnic desenvolveu a análise original Pantheon com aproximadamente 1000 supernovas.

Agora, Brout e Scolnic e a sua nova equipa Pantheon+ acrescentaram cerca de 50% mais pontos de dados de supernovas ao Pantheon+, juntamente com melhorias nas técnicas de análise e no tratamento de potenciais fontes de erro, o que acabou por produzir o dobro da precisão do Pantheon original.

“Este salto, tanto na qualidade do conjunto de dados como na nossa compreensão da física que lhe está subjacente, não teria sido possível sem uma equipa brilhante de estudantes e colaboradores trabalhando diligentemente para melhorar todas as facetas da análise”, diz Brout.

Tomando os dados como um todo, a nova análise defende que 66,2% do Universo se manifesta como energia escura, com os restantes 33,8% uma combinação de matéria escura e matéria normal.

Para chegar a uma compreensão ainda mais abrangente dos componentes constituintes do Universo em diferentes épocas, Brout e colegas combinaram o Pantheon+ com outras medições fortemente evidenciadas, independentes e complementares da estrutura em grande escala do Universo e com medições da luz mais antiga do Universo, o fundo cósmico de micro-ondas.

Outro resultado chave do Pantheon+ relaciona-se com um dos objetivos principais da cosmologia moderna: a obtenção do ritmo de expansão do Universo, conhecida como a constante de Hubble.

A junção da amostra do Pantheon+ com dados da colaboração SH0ES (Supernova H0 for the Equation of State), liderada por Riess, resultou na medição local mais rigorosa do ritmo atual de expansão do Universo.

Pantheon+ e SH0ES, juntos, determinaram uma constante de Hubble de 73,4 quilómetros por segundo por megaparsec com apenas 1,3% de incerteza.

Dito de outra forma, por cada megaparsec, ou 3,26 milhões de anos-luz, a análise estima que no Universo próximo, o próprio espaço está a expandir-se a mais de 260.000 quilómetros por hora.

Contudo, observações de uma época completamente diferente da história do Universo preveem algo diferente.

As medições da luz mais antiga do Universo, o fundo cósmico de micro-ondas, quando combinadas com o atual Modelo Padrão da Cosmologia, fixam consistentemente a constante de Hubble num valor significativamente inferior ao das observações feitas através das supernovas do Tipo Ia e com outros marcadores astrofísicos.

Esta discrepância considerável entre as duas metodologias tem sido denominada a tensão de Hubble. Os novos conjuntos de dados do Pantheon+ e do SH0ES amplificam esta tensão de Hubble.

De facto, a tensão passou agora o importante limiar de 5 sigma (a hipótese, de cerca de um em um milhão, de surgir devido ao acaso) que os físicos utilizam para distinguir entre possíveis falhas estatísticas e algo que deve ser compreendido em conformidade.

O alcançar deste novo nível estatístico realça o desafio tanto para os teóricos como para os astrofísicos de tentar explicar a discrepância na constante de Hubble.

“Pensámos que seria possível encontrar pistas para uma nova solução destes problemas no nosso conjunto de dados, mas em vez disso estamos a descobrir que os nossos dados excluem muitas destas opções e que as profundas discrepâncias permanecem tão teimosas como sempre”, diz Brout.

Os resultados do Pantheon+ poderiam ajudar a apontar para onde reside a solução para a tensão de Hubble.

“Muitas teorias recentes começaram a apontar para nova física exótica no Universo primitivo, contudo tais teorias não verificadas devem resistir ao processo científico e a tensão de Hubble continua a ser um grande desafio“, diz Brout.

No geral, o Pantheon+ fornece aos cientistas uma visão abrangente ao longo de grande parte da história cósmica.

As primeiras e mais distantes supernovas do conjunto de dados brilham a 10,7 mil milhões de anos-luz de distância, ou seja, de quando o Universo tinha aproximadamente um-quarto da sua idade atual. Nessa época, a matéria escura e a sua gravidade associada mantiveram o ritmo de expansão do Universo sob controlo.

Este estado das coisas mudou drasticamente ao longo dos vários milhares de milhões de anos seguintes, à medida que a influência da energia escura ultrapassava a da matéria escura. Desde então, a energia escura tem vindo a afastar o conteúdo do cosmos cada vez mais e a um ritmo cada vez maior.

“Com este conjunto combinado de dados Pantheon+, obtemos uma visão precisa do Universo desde o tempo em que era dominado pela matéria escura até quando o Universo se tornou dominado pela energia escura”, diz Brout.

“Este conjunto de dados é uma oportunidade única de ver a energia escura a ‘ligar-se’ e a impulsionar a evolução do cosmos nas maiores escalas ao longo dos tempos atuais”, acrescentou.

O estudo desta mudança, agora com evidências estatísticas ainda mais fortes, levará, assim os cientistas esperam, a novos conhecimentos sobre a natureza enigmática da energia escura.

“O Pantheon+ está a dar-nos a nossa melhor oportunidade até à data de restringir a energia escura, as suas origens e a sua evolução”, conclui Brout.

// CCVAlg

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