É possível desenvolver (acidentalmente) alergia a carnes vermelhas

Ron Lach / Pexels

Um agricultor de 56 anos do Kansas, nos Estados Unidos, começou a reparar numa erupção cutânea na cintura e nos braços, horas depois de comer um hambúrguer de carne vermelha.

Segundo o Science Alert, o que passa de uma picada de inseto a alergia à carne vermelha não é óbvio, no caso das pessoas que têm síndrome de alpha-gal (AGS).

As urticárias e as erupções cutâneas nem sempre aparecem logo após uma refeição que contém carne. Até podem aparecer várias vezes numa semana e, em casos mais raros, dar origem a falta de ar.

De acordo com o estudo publicado a 14 de novembro no BMJ Journals, o historial do agricultor de 56 anos foi ainda mais complexo, devido a alergias sazonais e a tratamentos que fazia para o HIV, que contraiu quando tinha 21 anos.

O trabalhador relatou os seus sintomas aos médicos durante anos, sem qualquer vislumbre de um prognóstico que os explicasse.

Nem a mudança de detergente, nem o uso de roupa nova ajudou o americano. As alergias alimentares foram descartadas logo no início, uma vez que os sintomas ocorrem passado alguns minutos da ingestão e não horas depois.

O caso não é isolado, tendo em conta que pelo menos 3% da população dos Estados Unidos tem estes sintomas, associados à AGS, embora pouco se saiba ainda sobre esta condição.

Para uma doença que se entende ao longo da história, parece impensável que os investigadores só a tenham começado a estudar em pormenor nos últimos 20 anos.

Em 2002, Thomas Platts-Mills, investigador britânico, chamou a atenção para as respostas alérgicas em doentes com cancro, que estavam a ser tratados com o medicamento cetuximab.

Embora se tivesse deparado com indivíduos que afirmavam ter tido uma reação alérgica a certas carnes, a ligação entre os dois não lhe passou pela cabeça.

Os anos passaram, e as reações alérgicas ao cetuximab continuaram a ser registadas em doentes com cancro, nos Estados Unidos.

Em 2008, Thomas Platts-Mills finalmente identificou a causa do problema. Uma resposta de anticorpos IgE a um carboidrato chamado galactose-alpha-1,3-galactose, ou alpha-gal, para abreviar.

Alpha-gal é um açúcar encontrado numa grande variedade de animais, inclusive nos humanos. De alguma forma, o açúcar estava a ser transferido de ratos transgénicos, que eram utilizados para fazer a quimioterapia.

As alergias são geralmente causadas quando o corpo responde a uma proteína que não reconhece. Mas um hidrato de carbono que desencadeia uma resposta alérgica é bastante invulgar.

Com o mistério resolvido, faltava ainda saber o que desenvolvia esta sensibilidade nos pacientes, em primeiro lugar.

Uma das pistas era a febre das Montanhas Rochosas, que se sobrepunha em vários  pacientes, e que consiste numa doença provocada por picadas de uma carraça, cujo nome científico é Amblyomma americanum.

Um dos exemplos é o de um caçador que apresentou reações alérgicas, depois de comer carne de vaca. Platts-Mills, ao conversar com o doente, verificou que este já tinha sido picado várias vezes pela carraça em questão.

O que acabou por convencer o investigador, porém, foi a sua própria experiência pessoal com a doença.

Thomas Platts-Mills quis testar as suas suspeitas, e fez uma caminhada nas montanhas perto de sua casa, para tentar apanhar algumas carraças. Mais tarde, nesse ano, uma refeição de costeletas de borrego resultou numa reação alérgica.

Os investigadores estão agora confiantes de que é o alpha-gal das proteínas da saliva da carraça que sensibilizam as pessoas para os hidratos de carbono, encontrados em carnes como o borrego e a vaca.

Uma vez que a cozedura não as separa, o nosso corpo reage de forma exagerada, à medida que o nossos sistema vai absorvendo as proteínas.

No caso do agricultor americano, encontrou finalmente médicos que lhe deram o prognóstico correto. Sete anos após o aparecimento dos sintomas, um amigo contou-lhe sobre a AGS e, sendo as carraças um risco comum do seu trabalho, o paciente fez a ligação muito rapidamente.

Com uma EpiPen no bolso, e carnes vermelhas fora do menu, o paciente tem estado relativamente livre de reações, há cerca de oito anos.

Ainda assim, a AGS é uma doença pouco estudada, o que significa que ainda falta compreender melhor as ligações que pode ter com outras doenças e tratamentos, bem como reações a medicamentos.

ZAP //

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