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É perigoso encorajar o seu filho a “fazer como o Ronaldo”

Miguel A. Lopes / EPA

“Remata igual ao Ronaldo”… ou não. Porque é que os jovens atletas não devem tentar copiar os melhores do mundo?

Durante décadas, o treino desportivo foi construído com base na ideia de que existe uma forma correta de executar uma habilidade.

Esta tem sido frequentemente referida como uma técnica padrão de ouro que todos os atletas devem reproduzir.

Quer se trate de jogadores de futebol que tentam imitat Cristiano Ronaldo o Lionel Messi ou basquetebolistas que tentam jogar como Steph Curry ou LeBron James, os jovens atletas são geralmente encorajados a copiar as técnicas dos seus heróis.

No entanto, a investigação em biomecânica e aprendizagem motora sugere que esta abordagem é incorreta.

Existe uma fórmula perfeita?

O treino tradicional tem-se apoiado no trabalho dos biomecanicistas desportivos para descobrir a técnica “perfeita” para as habilidades em várias disciplinas desportivas.

Estas técnicas, normalmente desenvolvidas com base em “médias” do que os atletas de elite fazem, são utilizadas pelos treinadores desportivos como o modelo em relação ao qual todos os outros atletas são avaliados.

Ou seja, se conseguirmos replicar a técnica de um atleta com melhor desempenho, o sucesso seguir-se-á. No entanto, esta abordagem ignora uma realidade crucial: não existem dois atletas iguais. Ou seja, com a mesma constituição física.

Cada atleta tem caraterísticas físicas únicas. Quer se trate do tamanho da mão, do comprimento dos membros, da força física, da marcha de corrida ou da coordenação neuromuscular, todas elas contribuem para a forma como um atleta expressa a sua “assinatura de movimento” individual.

Forçar os atletas a copiar as caraterísticas técnicas do melhor atleta do mundo pode ser inatingível.

Por exemplo, o estilo de lançamento rápido e de arco alto de Curry transformou-o no melhor atirador de três pontos da história da NBA. Mas apenas aconteceu graças à sua expressão única de movimento e técnica individual.

No entanto, outros atiradores de longa distância, como Luka Dončić (LA Lakers) e Kevin Durant (Phoenix Suns), têm a sua própria variação de técnica de lançamento, que consegue a mesma coisa: colocar a bola no cesto. Se obrigássemos ambos a atirar como Curry, essa variação provavelmente prejudicaria suas técnicas e seu desempenho de tiro quase certamente diminuiria.

O mesmo acontece no futebol. Se tivessem obrigado o Cristiano Ronaldo a adotar o estilo de jogo do Luís Figo ou do Eusébio, o craque madeirense, provavelmente, não era o melhor jogador português de sempre.

A variabilidade é importante

É a “variabilidade” da técnica no nível de elite do desporto que faz com que o mito de uma única técnica ideal comece a ser desmistificado.

Muitos treinadores têm tradicionalmente encarado os desvios em relação ao que é considerado uma técnica ótima como um erro, mas os investigadores sugerem que a variabilidade do movimento – um conceito que explica as alterações naturais na técnica – é uma parte normal do desempenho especializado.

Por exemplo, na corrida de velocidade, Noah Lyles, o campeão olímpico dos 100 metros, baseia-se numa poderosa ação de pistão das pernas e numa agressiva movimentação dos braços. Esta técnica difere da técnica da estrela australiana em ascensão, Gout Gout, cuja técnica assenta num padrão de passada mais fluido, em que quase parece estar a saltar pela pista.

 

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A variação na técnica de Gout em comparação com a de Lyles não é uma falha, mas uma solução única para o mesmo desafio de movimento: maximizar a velocidade.

Lição para pais, treinadores e atletas

Então, qual é o caminho a seguir pelos treinadores desportivos? – é a pergunta a que Dylan Hicks, professor de Biomecânica do Desporto, da Universidade de Flinders (Austrália), responde num artigo publicado no The Conversation.

Incentivar os atletas a explorarem uma variedade de técnicas e a descobrirem o que funciona melhor para eles, com base nas suas caraterísticas únicas.

Mas também depende do facto de o treinador colocar o atleta em situações em que este possa ser criativo e expandir a sua largura de banda de movimento.

Isto não quer dizer que os treinadores devam deixar os atletas executar uma série de movimentos aleatórios e esperar que a boa técnica aconteça.

Existem indicadores-chave de desempenho para todas as habilidades que aderem aos princípios biomecânicos do movimento eficiente e eficaz.

Mas estes indicadores situam-se numa escala contínua – não são fixos.

O desporto de elite oferece simplesmente uma visão das técnicas dos melhores executantes, e não um conjunto definido de critérios de movimento essenciais para competências desportivas específicas.

Para os treinadores desportivos, o objetivo não é desenvolver atletas com base num modelo técnico rígido de tamanho único, mas sim que os atletas desenvolvam uma técnica que se alinhe com os seus próprios pontos fortes e caraterísticas físicas.

Por isso, da próxima vez que disser ao seu filho ou atleta “remata como o Ronaldo”, reconsidere e aconselhe-o a rematar da forma como se sente melhor.

É assim que ‘nascem’ os melhores do mundo.

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