O documentário “Diego Maradona”, produzido pelo cineasta britânico Asif Kapadia, estreou-se esta semana no Festival de Cinema de Cannes, e promete trazer “imagens inéditas” sobre a vida atribulada do antigo futebolista argentino.
Kapadia, que produziu já os documentários “Amy”, um retrato íntimo sobre a vida Amy Winehouse que acabou por ganhar um Oscar, e “Senna”, documentário sobre o piloto brasileiro de Fórmula 1 Ayrton Senna, revelou que estes dois trabalhos estão, de certa forma, presentes no documentário de “D10s”.
O documentário de Maradona “começa quase como Senna, mas acaba mais como Amy. É um pouco dois dois”, explicou o cineasta, em Cannes, em declarações à AP. “De certa forma, a empatia é diferente. É como um relacionamento mais maduro. Apaixonei-me por Senna e Ammy de alguma forma. Mas eram mais fáceis, porque eram mais jovens”.
É entre estes dois universos que a história de Maradona é contada, como se estivesse dividida em duas linhas narrativas distintas: o rapaz pobre que lutou para deixar a pobreza extrema em que vivia em Villa Fioriti e o astro “Maradona” que se perdeu na fama, na droga e nas mulheres, nota o Observador.
A trabalho de Kapadia foca-se no período de tempo em que Maradona deixou o Barcelona e rumou ao Nápoles, onde o frenesim começou a crescer desde a sua chegada, a 5 de julho de 1984. De repente, Maradona ajuda o clube italiano pouco habituado a ganhar na época a vencer o campeonato italiano e o campeonato europeu.
Contudo, foi também em Nápoles que se consumou a sua queda, depois de uma acusação formal por posse de droga. O argentino ficaria para sempre ligado a este escândalo.
A película, com o subtítulo Rebelde. Herói. Golpista. Deus não contou com o futebolista na exibição de estreia. Em comunicado, Maradona disse não poder comparecer devido a uma “lesão no ombro”. Contudo, numa entrevista recente à Univision, o antigo futebolista disse que não iria a Cannes porque não gostou do título do documentário.
“Joguei futebol e fiz dinheiro a correr atrás da bola. Não enganei ninguém. Se querem atrair o público assim, estão errados (…) Não gostei do título, e se não gosto do título não vou gostar do filme. Não gosto do nome”, vincou.
As imagens inéditas utilizadas em “Diego Maradona” estavam na posse do já falecido Jorge Cyterszpiler, amigo e agente de Maradona. No final dos anos 80, Cyterszpiler contratou dois profissionais para cobrir a carreira de Maradona no Nápoles.
Durante o filme, é ainda possível ouvir várias entrevistas com o antigo futebolistas conduzidas por Kapadia. “As pessoas diziam: ‘[Maradona] pode estar bem amanhã, como pode não estar'” ou então “‘Hoje não está bem disposto, mas amanhã será um dia bom para entrevistá-lo'”, contou o cineasta. “E então, [a equipa] reunia-se com Maradona e ele não estava com vontade de falar”.
“Diego Maradora” tem estreia marcada para este verão, não havendo data oficial para a exibição em Portugal. A HBO adquiriu o documentário e pretende transmiti-lo a 24 de setembro, após uma breve passagem nos cinemas.
Camorra, droga e a queda meteórica
Quando deixou o Barcelona para rumar a Itália, Maradona era um jogador pouco desejado. Depois de duas épocas marcadas por lesões, o argentino perdeu a final da Taça do Rei para o Atlético de Bilbau. Após uma série de provocações do adeptos bascos e da já conhecida má relação do futebolista com alguns elementos da direção do Barcelona, Maradona perde a cabeça e envolve-se num série de agressões com jogadores, jornalistas e adeptos. No total, mais de 60 pessoa ficaram feridas.
De acordo com o El Español foi a partir deste momento que Maradona começou a sua “descida aos infernos”, que culminaria com uma acusação por posse de droga em Nápoles.
Este jogo acabaria por ditar a saída de Maradona, que depois se fez estrela no futebol italiano. O Nápoles, que à época não tinha qualquer título na Itália, tinha interesse em Maradona, que prometeu dar ao clube um campeonato – e deu, por duas vezes.
“Pedi uma casa e deram-me um apartamento, pedi um Ferrari e deram-me um Fiat”, ouve-se Maradona a dizer no filme, ao discutir a sua transferência, que atingiu os sete milhões – um valor recorde na altura.
Tal como recorda o El País, a transferência de Maradona foi muitas vezes associada a um financiamento por parte da Camorra, uma organização criminosa italiana. Em pouco tempo, conta o diário espanhol, o argentino tornou-se amigo de Carmine Giuliano, do clã Giuliano. Carmine tornou-se o seu dealer de cocaína de Marandona, vício antigo do jogador.
Maradona era aliciado, segundo El Español, com doses de cocaína e relógios Rolex em ouro como compensação para inaugurar lojas associadas à máfia. O jogador não esconde parte destas ligações, dando conta que deu por si a jantar numa “mesa cheia de pistolas”.
“Na noite de domingo, após o jogo, íamos jantar e caíamos na farra, e isso durava até quarta-feira, quando começava a limpar-me para jogar no domingo seguinte”, admitiu o jogador, dando conta que as mulheres e a droga marcaram o seu percurso.
Por esta altura, Maradona era um jogador de prestígio. Em 1986, jogou o mundial pela Argentina, fazendo o histórico golo “Mão de Deus” nos quartos-de-final. O jogo frente à Inglaterra seguia a zeros, quando o argentino aproveitou um mau atraso da equipa inglesa e “um pouco com a cabeça e um pouco com a mão de Deus” fez o primeiro golo. Em 2005, Maradona que o golo foi realmente marcado com a mão.
Quatro minutos depois, o argentino arrancou do meio-campo, passou por seis adversários ingleses e fez o segundo do encontro – Maradona resolveu o apuramento,
Contudo, foi no Mundial de Itália de 1990 que a relação de Maradona com os italianos se começou a degradar. As equipas disputavam um lugar na final no San Paolo, estádio do Nápoles, e Maradona pediu inclusive aos napolitanos para torcerem pela Argentina como alternativa, tal como admitiu na sua biografia. O futebolista acabou por marcar dois golos que afastaram a Itália da competição que a Argentina viria a perder para a Alemanha.
Na final, enquanto passava o hino argentino, os adeptos italianos assobiaram, enquanto Maradona devolvia aos italianos insultos. Itália e Maradona parecem nunca ter recuperado do Mundial de 1990.
Pouco depois, em fevereiro de 1991, Maradona é acusado formalmente por posse de droga. Trinta dias depois, é submetido a um teste antidoping que dá positivo. A partir este momento, onde acaba o documentário, vida do astro argentino nunca mais foi a mesma.
Rumou nesse mesmo ano para o Sevilha, onde fez uma época mais modesta com 29 golos em 14 jogos. Seguiu depois para o Newell’s Old Boys, na Argentina, e acabou a sua carreira no Boca Juniors, também na Argentina, em 1997.