Mais de 13 mil jogadores, num total de cerca de meio milhão registados nos sites de jogos online em Portugal, pediram para ser impedidos de jogar na tentativa de fugir a um vício que atinge sobretudo os jovens.
Há dois anos foi legalizada e exploração e a prática dos jogos e apostas online em Portugal. As dívidas, o desespero e a pressão da família são a alavanca que leva jovens viciados no jogo online a pedir ajuda a especialistas, mas também aos Jogadores Anónimos, que acabam por ser uma “tábua de salvação” para muitos.
Depois de anos a apostar online e a perderem tudo o que tinham, António e João [nomes fictícios] decidiram que era hora de parar e pedir ajuda. João, que começou a jogar com 17 anos, acordava todos os dias a pensar no jogo e por mais que tentasse parar não conseguia.
Apesar disso, considerava-se “um jogador consciente”, porque nunca teve “a tentação de criar dívidas para alimentar o problema do jogo”.
“Num dia colocava dez euros numa conta online que transformava em dez mil. O problema é que gostava de associar o risco ao valor do dinheiro que apostava e muitas vezes perdia numa só aposta o que tinha angariado numa semana”, contou o jovem.
Jogou durante sete anos e hoje admite que foi um período “muito sufocante” – “mantém-se uma vida paralela, ninguém percebe. Os jogos online estão disponíveis 24 horas por dia e é um ritmo alucinante”.
João pediu para ser impedido de jogar, mas não funcionou. “Excluía-me de um ‘site’ e registava-me noutro”, além de haver sempre a possibilidade de revogar essa autoexclusão nas casas de apostas.
“Tive muitas dificuldades em gerir o meu dinheiro e a minha vida. Cheguei a um ponto extremo”, confessou João, que apostava em jogos de ténis e futebol.
Na altura, o jovem vivia com uma namorada e apercebeu-se que estava a destruir a relação com ela e com a família. “No meio do desespero a minha família procurou a ajuda de um psicólogo que me aconselhou a ir a uma reunião dos Jogadores Anónimos”, recordou.
Foi nas reuniões dos Jogadores Anónimos que descobriu a solução para o seu problema. “Estou há dois anos sem jogar“, disse, com orgulho.
Para João, o sucesso do programa baseia-se na partilha das histórias e na “forma como se estruturam as reuniões de modo a que todos falem sobre si, se identifiquem uns com os outros e tenham as melhores soluções para resolver os seus problemas”.
A história de João assemelha-se à de António, que parou de jogar há quatro meses. “Sou viciado no jogo, estou a tratar-me“, começou por contar à Lusa.
“Sempre joguei nos jogos online mas com valores muito baixos. Em finais de 2015, apostei cerca 200 euros e comecei a ganhar. Cheguei a ter cerca de 3 mil euros”, disse António, de cerca de 30 anos.
O pior aconteceu em 2016: “Perdi a grande banca que tinha a jogar sem parar. Foi o ano em que estourei a minha vida”, desabafou.
Pediu várias vezes a autoexclusão nos ‘sites’ internacionais onde jogava, mas continuavam a desafiá-lo para jogar. “Ainda na semana passada me ligaram a dizer que estavam a fazer um novo ‘site’ e que tinha um bónus de 50%”.
António nunca roubou, mas pedia emprestado para jogar. Endividou-se e hoje tem uma dívida para pagar. No início deste ano decidiu que tinha de parar.
“Nesse dia, entrei lá outra vez, mas não apostei. Decidi que tinha acabado naquele momento e que tinha de pedir ajuda. Neste momento, estou no fundo do poço, mas tenho uma escada rolante, vou subi-la e curar-me”, disse António, para quem o apoio dos Jogadores Anónimos é fundamental.
Joana, que deixou de jogar há vários anos, lamenta que o jogo patológico não seja visto em Portugal como uma doença, como está reconhecido pela Organização Mundial da Saúde, sublinhando que a taxa mais alta de suicídio a nível das adições é a do jogo.
Mais de metade (60%) das pessoas que chegam ao Instituto de Apoio ao Jogador tem problemas de adição ao jogo online e são maioritariamente jovens. Segundo o coordenador do instituto, Pedro Hubert, a “rutura financeira” é o grande motor que os leva a pedir ajuda.
Os dados que constam do relatório, publicado no site do Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos (SRIJ) permitem constatar o interesse que os jovens têm por este modo de jogar.
Dos mais de 523 mil jogadores que estavam registados, a 31 de março, nas quatro entidades licenciadas, 60% têm idades entre os 25 e os 44 anos. Destes, cerca de 40% têm entre 25 e 34 anos.
Os jovens com idades entre os 18 e os 24 anos representam quase 30% dos apostadores, refere o documento, segundo o qual mais de metade do total reside nos distritos do Porto, de Lisboa e de Braga.
// Lusa