Descobertas dez estrelas de neutrões em rotação rápida num enxame globular

NSF, AUI, NRAO da NSF, S. Dagnello

Dez pulsares exóticos foram descobertos no enxame globular Terzan 5 – aqui numa impressão de artista – elevando o seu total para 49.

Uma equipa internacional liderada por investigadores do Instituto Max Planck de Física Gravitacional, do Instituto Max Planck de Radioastronomia e do NRAO (National Radio Astronomy Observatory) descobriu dez estrelas de neutrões em rotação rápida no enxame globular Terzan 5.

Muitas delas encontram-se em binários invulgares e raros, incluindo uma potencial candidata a recorde de estrela dupla de neutrões, um pulsar numa órbita extremamente elíptica e vários sistemas “aranha” em que as estrelas de neutrões estão a evaporar as suas companheiras.

Estas descobertas em dados do conjunto de radiotelescópios MeerKAT aumentam o número de pulsares de milissegundo conhecidos neste enxame estelar muito denso em mais de 25%, para um total de 49.

A equipa de investigação espera descobrir mais pulsares em binários possivelmente ainda mais extremos: tencionam analisar todos os dados de Terzan 5 registados com o MeerKAT, utilizando o enorme poder computacional do projeto de ciência cidadã Einstein@Home, gerido pelo Instituto Max Planck de Física Gravitacional.

“Sabemos que os enxames globulares como Terzan 5 albergam muitas estrelas de neutrões em rotação rápida, e sabemos que observações anteriores deste enxame provavelmente não detetaram algumas”, diz Prajwal Voraganti Padmanabh, investigador de pós-doutoramento no Instituto Max Planck de Física Gravitacional, em Hanôver, Alemanha.

“No entanto, ficámos muito entusiasmados por descobrir dez pulsares de milissegundo anteriormente desconhecidos, incluindo alguns deles em binários invulgares e extremos”, acrescenta.

“Estas descobertas e a sua caracterização completa foram possíveis graças a uma combinação de observações altamente sensíveis do MeerKAT, observações de arquivo do GBT (Green Bank Telescope) da NSF que abrangem quase duas décadas, e técnicas inteligentes e eficientes de análise de dados.”

Padmanabh é o autor principal do estudo recentemente publicado na revista Astronomy & Astrophysics. Iniciou o seu trabalho sobre pulsares quando trabalhava no Instituto Max Planck de Radioastronomia em Bona.

As estrelas de neutrões são remanescentes compactos de explosões de supernova e são constituídas por matéria exótica e extremamente densa. São mais massivas do que o nosso Sol, mas com um diâmetro de apenas cerca de 20 quilómetros.

Devido aos seus fortes campos magnéticos e à sua rápida rotação, emitem um feixe de ondas de rádio semelhante a um farol cósmico. Quando a rotação aponta periodicamente estes feixes para a Terra, a estrela de neutrões torna-se visível como uma fonte de rádio pulsante: um pulsar de rádio.

Alguns destes pulsares de rádio atingem períodos de rotação de apenas alguns milissegundos ao acumularem material de uma estrela companheira binária. Estes são chamados pulsares de milissegundo.

O enxame globular Terzan 5 é um dos locais mais povoados de estrelas da nossa Via Láctea. No seu núcleo, onde existem milhões de vezes mais estrelas por unidade de volume do que na vizinhança do nosso Sol, as estrelas encontram-se e interagem com muito mais frequência do que noutros locais.

Este facto torna-o uma “fábrica” muito eficiente para produzir pulsares em sistemas binários extraordinários. Já se conheciam 39 pulsares em Terzan 5 antes deste estudo, que acrescentou mais dez.

Os astrónomos fizeram as suas descobertas utilizando dados do radiotelescópio MeerKAT. O MeerKAT é um conjunto de 64 antenas na região de Karoo, África do Sul, com uma sensibilidade sem precedentes para fontes no hemisfério sul.

Como parte do grande projeto de pesquisa TRAPUM (TRansients and Pulsars using MeerKAT), a equipa observou Terzan 5 duas vezes durante várias horas com 56 antenas do MeerKAT. O hardware do TRAPUM foi financiado, concebido e instalado pelo Instituto Max Planck de Radioastronomia.

“Usando hardware e software especiais, combinámos os dados das 56 antenas individuais do MeerKAT num telescópio virtual que observou simultaneamente cerca de 300 posições no céu, intimamente espaçadas, cobrindo Terzan 5”, explica Padmanabh.

“É claro que isto resulta em muito mais dados para analisar em comparação com as observações com uma única antena. Mas também nos ajuda a identificar a posição de cada novo pulsar com muito mais precisão e, com antenas individuais, essa é normalmente a parte mais complicada, exigindo meses de observações adicionais dedicadas”, acrescenta.

A equipa de investigação preparou os dados e depois procurou pulsares em 45 posições cobrindo o núcleo de Terzan 5. O seu cavalo de batalha: o supercomputador Atlas do AEI em Hanôver. Esta pesquisa levou à descoberta de dez novos pulsares de milissegundo.

A caracterização dos novos pulsares, uma tarefa que pode levar muitos anos, foi feita muito rapidamente graças a décadas de dados de arquivo obtidos com o GBT (Green Bank Telescope) da NSF.

“Sem o arquivo do GBT da NSF, não teríamos sido capazes de caracterizar estes pulsares e de compreender a sua astrofísica”, diz Scott Ransom, astrónomo do NRAO.

A equipa conseguiu criar “modelos de tempo” para todas as suas descobertas. Estas descrições matemáticas preveem com exatidão a hora de chegada de cada um de várias centenas de milhares de milhões de pulsos ao longo dos 19 anos de observações.

Para atingir este nível de precisão, os modelos de tempo têm de ter em conta muitas propriedades astrofísicas que descrevem cada sistema binário de pulsares, incluindo efeitos relativistas decorrentes da teoria da relatividade geral de Einstein.

Isto, por sua vez, permitiu aos astrónomos estudar e monitorizar de perto e com precisão as estrelas de neutrões, as suas órbitas binárias, as suas companheiras e muitas outras propriedades.

“Todas as dez descobertas de pulsares são muito especiais e invulgares, ajudando-nos a compreender melhor os enxames globulares e as estrelas de neutrões, e a testar a relatividade geral. Mas alguns deles são raros e especiais mesmo neste grupo”, diz Paulo Freire, membro da equipa científica do departamento de investigação em Física Fundamental em Radioastronomia do Instituto Max Planck de Radioastronomia.

“Estes sistemas são apenas os exemplos mais recentes dos sistemas maravilhosos e exóticos que temos vindo a encontrar nestes densos enxames globulares com o MeerKAT”, acrescenta o investigador português.

“Isto, juntamente com exemplos recentes como o sistema NGC 1851E, que poderá ser o primeiro sistema pulsar – buraco negro, está a mostrar-nos que os enxames globulares são uma mina de ouro de oportunidades”, conclui.

Uma descoberta do presente trabalho é um sistema binário que, por um lado, pode consistir de duas estrelas de neutrões. Estas estrelas de neutrões duplas são muito raras – cerca de 20 dos mais de 3600 pulsares conhecidos pertencem a esta classe em particular.

Se as observações futuras confirmarem estas suspeitas, o sistema duplo seria também um recordista, com o pulsar de rotação mais rápida e a órbita de período mais longo para esta classe de sistemas.

Por outro lado, o mesmo sistema pode também ser um pulsar massivo com uma estrela companheira anã branca. Um pulsar de grande massa pode condicionar a composição interior das estrelas de neutrões.

A órbita extremamente elíptica de outra descoberta indica uma série de encontros estelares próximos no seu passado. Quando as estrelas do centro densamente povoado de Terzan 5 passam por um sistema binário, a sua gravidade pode perturbar as suas órbitas, podendo mesmo ejetar e substituir as estrelas que o compõem.

Tendo já aumentado o número de pulsares conhecidos em Terzan 5 em mais de um-quarto, a equipa já está a fazer planos para encontrar ainda mais. Vão procurar pulsares em binários compactos cujos períodos orbitais sejam mais curtos do que qualquer outro descoberto anteriormente.

“Do que sabemos sobre Terzan 5, esperamos que albergue muitos mais sistemas binários extremos, cada um deles um potencial laboratório para testar a teoria da relatividade de Einstein”, conclui Prajwal Voraganti Padmanabh.

“Quem sabe, talvez a próxima coisa que encontremos neste fantástico enxame globular seja algo tão exótico como um par de pulsares de milissegundo ou um pulsar de milissegundo a orbitar um buraco negro?”

// CCVAlg

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