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Descoberta sepultura em massa da maior “matança ritual” de crianças

John Verano / Tulane University

Arqueólogos analisam vestígios do maior sacrifício ritual em massa de crianças da história, no norte do Peru.

Arqueólogos descobriram vestígios de um sacrifício em massa de crianças, num local arqueológico no norte do Peru. A descoberta dos restos de mais de 140 corpos indicia que será a maior chacina em massa de crianças da história.

Os investigadores John Verano da Universidade Tulane, nos EUA, e Oscar Gabriel Prieto, da Universidade Nacional de Trujillo, no Peru, encontraram os restos mortais de mais de 140 crianças e de 200 jovens lamas com menos de 18 meses.

Estes vestígios foram detectados ao longo dos últimos anos, no decurso de escavações que foram iniciadas em 2011. As crianças e os animais terão sido assassinados, num ritual de sacrifício, há 550 anos, num penhasco com vista para o Oceano Pacífico, à sombra do que era então a capital do Império Chimú, no norte do actual Peru.

A descoberta é divulgada pela The National Geographic que salienta que estamos, até ver, perante “o maior evento único de sacrifício infantil de massas na história mundial”.

Até ao macabro achado agora tornado público, esse estatuto estava entregue aos sacrifícios de 42 crianças no Templo Maior de Tenochtitlán, a capital da civilização Asteca, onde se situa actualmente a Cidade do México.

Várias escavações arqueológicas já descobriram sinais de sacrifícios humanos entre os Astecas, os Maias e os Incas. Mas a descoberta desta sepultura em massa, que ilustra um sacrifício infantil em grande escala na civilização pré-colombiana de Chimú, é única e ajuda a compreender melhor uma cultura ainda muito desconhecida.

O local do sacrifício é conhecido como “Huanchaquito-Las Llamas” e está localizado a menos de 800 metros de Chan Chan, sítio arqueológico que albergou o centro administrativo dos Chimú e que é Património Mundial da UNESCO.

“Uma matança ritual”

A datação por radio-carbono dos vestígios humanos encontrados situa o sacrifício em massa por volta de 1400 a 1450.

“Os restos dos esqueletos de crianças e animais mostram sinais de cortes no esterno, bem como deslocações de costelas, o que sugere que os peitos das vítimas foram cortados e abertos, talvez para facilitar a remoção do coração“, revela a The National Geographic.

As mortes terão sido provocadas com “cortes transversais consistentes e eficientes através do esterno”, executados por uma ou mais pessoas experientes, afiança a publicação. Foi “uma matança ritual” e “muito sistemática”, realça o antropologista John Verano.

As mais de 140 crianças sacrificadas tinham entre 5 e 14 anos de idade, e eram de ambos os sexos. A maioria foi enterrada de frente para o oeste, virada para o mar, enquanto os lamas estavam, geralmente, enterrados voltados para o leste, em direcção aos altos picos dos Andes.

Foram ainda encontrados os vestígios de três adultos – um homem e duas mulheres – com sinais de traumatismos directos na cabeça. O facto de não apresentarem consigo quaisquer bens leva os investigadores a suspeitarem que podem ter desempenhado um papel no ritual de sacrifício, e que foram mortos pouco tempo depois.

As investigações continuam a decorrer no local, nomeadamente para analisar em detalhe as pegadas de adultos com sandálias, de cães, de crianças descalças e de lamas que foram preservadas na lama. A expectativa é poder reconstruir a procissão ritual que levou as crianças ao sacrifício.

Os arqueólogos também contam descobrir as motivações por trás da chacina a partir da camada de lama encontrada nas escavações. Esta camada pode ter resultado de um período de chuvas intensas e de inundações numa região que era habitualmente árida, no seguimento de um evento climático relacionado com o El Niño.

“As altas temperaturas do mar, características do El Niño, terão atrapalhado a pesca marinha na área, enquanto as inundações costeiras podem ter sobrecarregado a extensa infraestrutura de canais agrícolas dos Chimú”, sublinha a The National Geographic.

Assim, perante a escassez de recursos, os Chimú podem ter realizado os sacrifícios para apelar à fertilidade dos oceanos e da terra, como vaticina o líder das escavações, o arqueólogo Oscar Gabriel Prieto.

Os investigadores também admitem que os Chimú podem ter sacrificado as crianças depois de os sacrifícios de adultos não terem sido suficientes para afastar as repetidas perturbações provocadas pelo El Niño.

A pesquisa continua no terreno, com muitos mistérios e muitas dúvidas por responder. E Prieto acredita que os sacrifícios em massa de “Huanchaquito-Las Llamas” são apenas “a ponta do icebergue”. O arqueólogo nota que pode haver “outros locais como este“, na região, com os mesmos vestígios de um passado tão fascinante como macabro.

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