Descoberta revolucionária: células “esvaziam o lixo” antes de se dividirem

MIT

O magenta representa o ADN, e o verde representa um marcador lisossomal na superfície das células — um indicador de exocitose lisossomal.

Os investigadores do MIT descobriram que antes das células se dividirem, fazem uma pequena limpeza, deitando fora moléculas que parecem já não precisar.

Através de um novo método que desenvolveram para medir a massa seca das células, os investigadores descobriram que as células perdem cerca de 4% da sua massa, à medida que entram na divisão celular.

Os investigadores acreditam que este esvaziamento do lixo ajuda as células a dar aos seus descendentes um “novo começo”, sem o lixo acumulado da célula mãe.

“A nossa hipótese é que as células podem estar a deitar fora coisas que se estão a acumular, componentes tóxicos ou apenas coisas que não funcionam corretamente e que não querem ter lá. Poderia permitir que as células recém nascidas nascessem com conteúdos mais funcionais“, explica Teemu Miettinen, investigador do MIT e autor principal do novo estudo, publicado no eLife a 10 de maio.

A medição da massa seca de uma célula — o peso do seu conteúdo sem incluir a água — é normalmente calculada através de uma técnica de microscópica chamada microscopia quantitativa de fase.

Esta técnica pode medir o crescimento celular, mas não revela informação sobre o conteúdo molecular da massa seca, para além de ser difícil de usar com células que crescem em suspensão, segundo a Phys Org.

O laboratório de Scott Manalis, outro investigador do estudo, já tinha desenvolvido uma técnica para medir a massa flutuante das células, que é a sua massa à medida que flutuam num fluido como a água.

Este método mede a massa flutuante através de um canal incorporado num cantilever vibratório, o que pode ser feito repetidamente para seguir as mudanças na massa de uma determinada célula, durante várias horas ou mesmo dias.

Para o seu novo estudo, os investigadores quiseram adaptar a técnica para que pudesse ser utilizada para calcular a massa seca das células, bem como a densidade da massa seca.

Há cerca de 10 anos, tinham descoberto que podiam calcular a massa seca de uma célula se primeiro medissem a célula em água normal e depois em água pesada (que contém deutério em vez do hidrogénio comum). Estas duas medições podem ser usadas para calcular a massa seca da célula.

No entanto, a água pesada é tóxica para as células, pelo que só conseguiram obter uma única medição por célula.

No ano passado, Miettinen decidiu tentar criar um sistema em que as células pudessem ser medidas repetidamente, com uma exposição mínima a água pesada.

Nesse sistema, as células são expostas a água pesada, à medida que fluem através de canais de microfluidos.

É necessário apenas um segundo para que uma célula troque completamente o seu conteúdo em água, para que os investigadores possam medir a massa da célula quando está cheia de água pesada, compará-la com a massa em água normal, e depois calcular a massa seca.

“A nossa ideia era que se minimizássemos a exposição das células à água pesada, poderíamos conceber o sistema de modo a podermos repetir esta medição durante longos períodos de tempo sem ferir a célula“, relata Miettinen.

“Isso permitiu-nos pela primeira vez seguir não só a massa seca de uma célula, que é o que outros fazem utilizando métodos microscópicos, mas também a densidade da massa seca, que nos informa sobre a composição biomolecular da célula”, adiciona.

Os investigadores mostraram que as suas medições de massa seca concordavam qualitativamente com trabalhos anteriores.

Para além de fornecer a densidade da massa seca, o método da equipa do MIT permite uma maior resolução temporal, que se revelou útil para revelar a dinâmica durante a mitose (divisão celular).

Células também “esvaziam o lixo”

Nas células em mitose, os investigadores utilizaram a sua nova técnica para estudar o que acontece à massa e composição celular durante esse processo.

Num artigo de 2019, Miettinen e Manalis descobriram que a massa flutuante aumenta ligeiramente à medida que a mitose começa.

No entanto, outros estudos que utilizaram microscopia de fase quantitativa sugeriram que as células poderiam reter ou perder massa seca no início da divisão celular.

No novo estudo, a equipa do MIT mediu três tipos de células cancerosas — são mais fáceis de estudar por se dividem com mais frequência do que as células saudáveis.

Para sua surpresa, os investigadores descobriram que a massa seca das células diminui, de facto, quando entram no ciclo de divisão celular. Esta massa é recuperada mais tarde, antes de a divisão estar completa.

Outras experiências revelaram que à medida que as células entram na mitose, aumentam a atividade de um processo chamado exocitose lisossomal.

Os lisossomas são organismos celulares que se decompõem ou reciclam produtos de resíduos celulares, e a exocitose é o processo que utilizam para eliminar quaisquer moléculas que já não sejam necessárias.

Os investigadores descobriram também que a densidade da massa seca aumenta à medida que as células perdem massa seca, levando-as a acreditar que as células estão a perder moléculas de baixa densidade como os lípidos ou as lipoproteínas.

Os investigadores propuseram a hipótese de que as células utilizam este processo para limpar as moléculas tóxicas antes de se dividirem.

“O que estamos a ver é que as células podem estar a tentar deitar fora componentes danificados antes de se dividirem”, realça Miettinen.

Os investigadores especulam que as suas descobertas podem ajudar a explicar porque é que os neurónios, que não se dividem, são mais suscetíveis de acumular proteínas tóxicas como o Tau ou o beta amilóide, que estão ligados ao desenvolvimento da doença de Alzheimer.

A descoberta também pode ser relevante para o estudo do cancro — as células cancerígenas podem expelir alguns medicamentos de quimioterapia utilizando a exocitose, ajudando-as a tornarem-se resistentes aos medicamentos.

Em teoria, prevenir a exocitose antes da divisão celular pode ajudar a tornar as células cancerígenas mais suscetíveis a determinados medicamentos.

“Há doenças em que podemos querer exocitose aumentada, por exemplo em doenças neurodegenerativas, mas depois há doenças como o cancro em que talvez queiramos diminuir a exocitose”, sublinha Miettinen.

“No futuro, se pudéssemos compreender melhor o mecanismo molecular por detrás disto, e encontrar uma forma de o desencadear fora da mitose ou de o prevenir durante a mitose, poderíamos realmente ter um novo interruptor para usar no tratamento de doenças”.

Alice Carqueja, ZAP //

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