Anunciada recentemente como “a descoberta do Século”, a nau da carreira da Índia encontrada no fundo do Tejo terá sido, afinal, achada já há cerca de um ano, por mero acaso, por dois mariscadores de Setúbal.
Esta é a garantia dada ao Diário de Notícias (DN) pelo arqueólogo Alexandre Monteiro, do Instituto de Arqueologia e Paleociências (IAP) da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH/UNL), que foi contactado pelos dois mariscadores, Pedro Patacas e Sandro Pinto, em Outubro de 2017, para dar o seu parecer científico sobre o que encontraram.
Os dois homens de Setúbal ficaram surpreendidos quando viram na televisão as imagens da nau S. Francisco Xavier, que pertenceu à carreira da Índia e naufragou, a ser anunciada como “a descoberta do Século”, no passado dia 22 de Setembro, pela equipa do arqueólogo subaquático Jorge Freire, do Projecto de Carta Arqueológica Subaquática de Cascais (ProCasC).
A nau ainda carregada de pimenta e porcelanas terá, afinal, sido encontrada pelos dois mariscadores a 18 de Outubro de 2017, conforme alegam, sendo suportados por Alexandre Monteiro que diz “ter provas” disso.
A descoberta terá sido comunicada à Direcção Geral do Património Cultural (DGPC) a 20 de Outubro de 2017, como apurou o DN junto dos envolvidos.
Os dois mariscadores entregaram vários artefactos recuperados no local à DGPC, nomeadamente uma estátua de Nossa Senhora, um almofariz em pedra e dois pratos de estanho, depois de terem estado “à guarda provisória do Instituto de Arqueologia e Paleociências”, segundo nota o DN.
Mas, agora, os mariscadores temem perder o “direito a uma recompensa pecuniária até ao limite de 50% do valor que for determinado para o achado”, por terem sido os descobridores do achado, ainda de acordo com o mesmo jornal.
“Como nunca nos disseram nada, depois da notícia da nau da Índia tememos pelos nossos direitos e resolvemos contratar um advogado”, refere Pedro Patacas ao jornal. “Foi depois de o advogado ter enviado uma carta que a DGPC nos contactou”, acrescenta.
A DGPC contactou os dois mariscadores já depois de ter sido anunciada “a descoberta do Século”, em Setembro passado, pelo que receiam perder o direito à recompensa.
Uma ou duas naus?
O oficial do Centro de Investigação da Marinha que colabora com o ProCasc, Augusto Salgado, refere ao DN que “tudo aponta para que sejam dois sítios diferentes“. Mas Alexandre Monteiro está certo de que se trata da mesma nau.
O arqueólogo fez um mergulho de reconhecimento no local e analisou as imagens do naufrágio captadas pelos mariscadores e pela equipa do ProCasC, concluindo que “são idênticas” e que “isso mostra que se trata mesmo sítio” e do “mesmo naufrágio”, como cita o DN.
“Tudo leva a crer que sejam os destroços da nau S. Francisco Xavier, naufragada naquele local a 23 de Outubro de 1625, quando entrava a barra, vinda da Índia, carregada de pimenta, porcelanas e outras mercadorias orientais”, constata Alexandre Monteiro.
Nem a DGPC, nem o arqueólogo Jorge Freire comentam directamente o caso. Mas o imbróglio vai prosseguir nos bastidores.