ZAP // Miguel A. Lopes, Miguel Pereira da Silva / Lusa

No frente a frente entre o líder socialista e o dirigente do Livre, é mais o que os une do que o que os separa. Mas houve margem para provocações, e um apelo que enervou Rui Tavares.
Foi um debate sorridente, com abraços à distância. Rui Tavares resumiu tudo: o objetivo é que os eleitores de esquerda tenham visto “naquele debate o melhor Governo para o país”.
A coligação pós-eleitoral entre os dois partidos é uma verdade praticamente assumida, expressa em vários momentos do debate, que se centrou, desde já, num possível governo PS/Livre.
Mas o debate começou com a jornalista Clara de Sousa a dar espaço ao socialista para se justificar sobre a investigação preventiva de que é alvo. As denúncias, diz o socialista, “tinham como objetivo intimidar-me e passar uma ideia de equivalência entre mim e Luís Montenegro. E não há equivalência nenhuma.”
Também Rui Tavares diz que não se quer “meter no trabalho do Ministério Público”. “Se o Pedro Nuno Santos acha que deu todos os esclarecimentos e entregou todos os documentos porque pode fazê-lo, isso certamente será confirmado e isso será uma boa notícia”.
Caso fechado, prosseguiu-se para medidas para o país. E aqui vimos uma dupla imbatível na discussão civilizada, organizada e com propostas concretas. Ainda que com algumas discórdias.
Corrupção com desentendimentos
Sobre o tema da corrupção, introduzido no debate, o líder socialista admitiu que ainda “há muito trabalho a fazer”. Rui Tavares acabou mesmo por arrancar um sorriso a Pedro Nuno Santos, quando falou num possível desentendimento numa coligação já assumida entre os dois partidos.
“O Livre propõe e o PS nunca quis, há de ser uma negociação bastante dura um dia, que ministros e ministras vão ao parlamento ter uma audição prévia na qual os deputados e jornalistas ouvem, porque é em público que se apanham os conflitos de interesse”, diz.
“O Livre tem contributos importantes a dar e o PS está disponível para os ouvir e para refletir sobre eles“, admitiu o líder dos socialistas. E foi aqui que surgiu a discussão que pautou todo o confronto entre os dois políticos. Rui Tavares adivinhou-a: “já começa…”, ironizou entre sorrisos.
Voto útil ou esquerda “esmagada”?
Ainda que muito mais tolerante com o Livre, Pedro Nuno adotou a estratégia que tem usado com os restantes partidos de esquerda: votem em mim, não dispersem votos.
“Não estou a dizer para não votarem no Livre, mas que há vários círculos eleitorais — Braga, Aveiro, Santarém — em que a diferença de votos no BE e no Livre permitiriam ao PS ter deputados para derrotar a AD”, argumentou o socialista.
Rui Tavares ripostou: “Até desejo que fiques à frente da AD, que tenhas mais um voto. Não precisas de roubar 50 mil do Livre, só tens de ir buscar 25 mil à AD, que foi o que te faltou da outra vez”.
Estas manobras foram sido trazidas à baila ao longo de todo o debate, com Pedro Nuno a apelar ao voto útil, rejeitando que quer “roubar votos”. “Se o PS chumbar um Governo da AD e apresentar depois solução, esse Governo seria barrado pela AD e pelo Chega, por isso é tão importante que não haja dispersão de votos”, insistiu mais à frente.
Rui Tavares ia respondendo como podia à barreira de cimento que o socialista ia erguendo entre os dois partidos. E até deitou uma acha para a fogueira, provocando o adversário: as sondagens apontam que nem “esmagando ou fazendo desaparecer todos os partidos à esquerda, mesmo assim o PS não chegava lá”.
Herança social: ideia que une, valor que separa
A proposta concreta mais debatida foi a herança social, com o Livre a defender um apoio de 5 mil euros para todos os jovens à nascença, “desbloqueado” na maioridade, e o PS a propor um sistema semelhante, mas no valor de 500 euros.
Rui Tavares diz que a herança social proposta pelo Livre “custa menos do que o IRS Jovem”, que aliás beneficia “os jovens que têm salários mais altos e não beneficia aqueles que são da classe média e média baixa”.
Este campo divide os dois líderes de esquerda, com Pedro Nuno Santos a apelidar a proposta do Livre de “irrealista”. “Quando estamos na governação — e nós do ponto de vista de princípios não nos distanciamos — temos de avaliar a aplicabilidade das medidas e cinco mil euros é uma despesa muito grande”, atirou Pedro Nuno.
Governo europeísta e ecologista de esquerda
E o que une estes sorridentes líderes? A busca por “um governo em que a fasquia ética seja elevada, em que haja investimento na habitação e educação e não haja privatização do SNS, em que o apoio à Ucrânia seja forte, voz portuguesa na Europa que diga a Trump e Putin que quem manda na Europa são os europeus, e que a Palestina seja reconhecida nos primeiros dias do Governo” é o objetivo do Livre.
Pedor Nuno Santos não nega que “temos todas as condições para ter um Governo ecologista, europeísta, que defende um Estado social sólido“. Amigos amigos, cada um puxa a brasa à sua sardinha, mas os negócios não ficam à parte.