Perturbação neurológica funcional tem um passado sombrio. Paralisia, espasmos, dormência, perda de visão, névoa mental ou dificuldade em encontrar palavras são alguns sintomas que a tornam aterrorizante.
Imagine perder subitamente a capacidade de mexer os membros, andar ou falar. Provavelmente reconheceria uma emergência médica e dirigia-se ao hospital.
Agora imagine que, no hospital, os médicos realizam vários exames e dizem: “Boas notícias! Todos os seus exames estão normais, as imagens cerebrais estão limpas e não há nada de errado. Pode ir para casa!”. Mas perante as supostas boas notícias, continua a sentir sintomas reais, incapacitantes, assustadores.
Infelizmente, esta é a experiência de muitas pessoas com perturbação neurológica funcional.
O que é perturbação neurológica funcional?
As perturbações neurológicas são condições que afetam o funcionamento do sistema nervoso, que envia e recebe mensagens entre o cérebro e outras partes do corpo para regular uma vasta gama de funções, como o movimento, a fala, a visão, o pensamento e a digestão.
Aos olhos de quem não tem formação médica, a perturbação neurológica funcional pode assemelhar-se a outras condições, como o acidente vascular cerebral (AVC), a esclerose múltipla ou a epilepsia.
No entanto, ao contrário destas doenças, os sintomas neurológicos funcionais não se devem a danos físicos ou a um processo patológico no sistema nervoso. Isto significa que a perturbação não aparece em exames de imagem cerebral de rotina ou noutros testes clínicos.
Os sintomas funcionais resultam, em vez disso, de um mau funcionamento no processamento da informação entre várias redes cerebrais. Simplificando: trata-se de um problema no “software” do cérebro, e não no “hardware”.
Os sintomas
A perturbação neurológica funcional pode provocar uma variedade de sintomas diversos e variáveis, o que muitas vezes aumenta a confusão dos doentes e dificulta o diagnóstico.
Os sintomas podem incluir paralisia ou movimentos anómalos, como tremores, espasmos e tiques. Isto pode resultar em dificuldades na marcha ou na coordenação de movimentos.
Os sintomas sensoriais podem incluir dormência, formigueiros ou perda de visão.
São também comuns sintomas dissociativos, como crises funcionais (semelhantes a convulsões) e apagões.
Algumas pessoas apresentam sintomas cognitivos, como névoa mental ou dificuldade em encontrar palavras. A fadiga e a dor crónica estão frequentemente associadas.
Estes sintomas podem ser graves e angustiantes e, sem tratamento, podem persistir durante anos. Por exemplo, algumas pessoas com esta perturbação ficam incapacitadas de andar e precisam de cadeira de rodas durante décadas.
O diagnóstico exige a identificação de sinais clínicos específicos e a exclusão de outras doenças. Este processo deve ser realizado por um neurologista ou neuropsiquiatra com experiência.
Qual é a prevalência?
A perturbação neurológica funcional é uma das condições médicas mais comuns observadas nos serviços de urgência e em consultas externas de neurologia.
Afeta cerca de 10 a 22 pessoas por 100.000 por ano, o que a torna mais comum do que a esclerose múltipla.
Apesar disso, é frequentemente sub-reconhecida e mal compreendida pelos profissionais de saúde, o que leva a atrasos no diagnóstico e no início do tratamento. A falta de conhecimento contribui para a perceção errada de que se trata de uma condição rara, quando na verdade é uma das perturbações neurológicas mais comuns.
Quem é afetado?
Esta condição pode afetar qualquer pessoa, embora seja mais comum em mulheres e pessoas mais jovens. Cerca de dois terços dos doentes são do sexo feminino, mas essa diferença de género tende a diminuir com a idade.
A compreensão da perturbação evoluiu muito nas últimas décadas, mas ainda há muito por descobrir. Vários fatores biológicos, psicológicos e sociais podem predispor uma pessoa à condição.
A genética, experiências traumáticas de vida, ansiedade e depressão podem aumentar o risco. Eventos de vida stressantes, doenças ou lesões físicas podem desencadear ou agravar os sintomas existentes.
No entanto, nem todas as pessoas com esta perturbação passaram por traumas ou stress significativos.
O tratamento
Sem tratamento, cerca de metade das pessoas com esta condição permanecem na mesma ou pioram. Contudo, com a ajuda de profissionais experientes, muitas pessoas conseguem recuperar rapidamente quando o tratamento começa cedo.
Não existem medicamentos específicos para esta perturbação, mas a reabilitação personalizada orientada por clínicos experientes é recomendada.
Alguns doentes necessitam de uma equipa multidisciplinar, que pode incluir fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, terapeutas da fala, psicólogos e médicos.
É também essencial fornecer informação rigorosa sobre a condição, uma vez que a compreensão e as crenças sobre a perturbação desempenham um papel importante na recuperação. Informações corretas ajudam os doentes a ter expectativas mais realistas, a reduzir a ansiedade e a sentir-se mais capacitados para participar na sua recuperação.
O tratamento de condições coexistentes, como a ansiedade ou a depressão, pode também ser benéfico.
Um passado sombrio
As origens desta perturbação estão profundamente enraizadas na história sexista da sua antecessora pré-científica – a histeria. O legado da histeria deixou uma marca negativa duradoura, contribuindo para preconceitos misóginos na perceção e no tratamento.
Este contexto histórico levou a um estigma persistente, em que os sintomas eram frequentemente considerados “psicológicos” e, por isso, desvalorizados.
Mulheres com sintomas funcionais continuam muitas vezes a enfrentar ceticismo e rejeição. Em alguns casos, isto leva a danos significativos devido à estigmatização, cuidados inadequados e má gestão clínica. A medicina moderna tem procurado corrigir estes preconceitos, reconhecendo a perturbação neurológica funcional como uma condição legítima.
A falta de formação dos profissionais de saúde contribui também para o estigma. Muitos clínicos reportam ter pouco conhecimento ou confiança na gestão desta perturbação.
Felizmente, a consciencialização, a investigação e o interesse sobre esta condição aumentaram na última década. Estão a ser testadas várias abordagens terapêuticas, incluindo fisioterapia especializada, terapias psicológicas e estimulação cerebral não invasiva.
Organizações lideradas por doentes e redes de apoio estão a fazer progressos importantes na defesa de melhorias nos sistemas de saúde, na investigação e na educação. O objetivo é unir doentes, famílias, clínicos e investigadores para estabelecer um novo padrão de cuidados a nível mundial.