Regime iraniano lançou mais de 300 drones e mísseis contra Israel após acusar o governo de Netanyahu de atacar o seu consulado na Síria. Os dois países são inimigos há décadas, mas já foram aliados próximos no Médio Oriente.
Desde o início da guerra na Faixa de Gaza, Israel intensificou os seus ataques contra aliados de Teerão no Líbano e na Síria. Nesse contexto, 13 pessoas foram mortas num ataque aéreo ao consulado iraniano em Damasco, capital da Síria, no início de abril, incluindo sete membros do alto escalão da Guarda Revolucionária Iraniana. Irão, Síria e Rússia acusaram Israel, que não assumiu a responsabilidade.
“O ataque ao edifício de um consulado iraniano foi algo sem precedentes. Após uma longa guerra nas sombras contra o Irão, Israel parece ter alterado a sua estratégia”, disse o especialista em Médio Oriente Arash Azizi à DW.
Os comandantes da Guarda Revolucionária do Irão desempenham um papel chave no treino e financiamento do Hezbollah no Líbano, responsável por vários ataques contra Israel. Em resposta ao ataque ao consulado em Damasco, o Irão lançou um ataque a Israel na noite de sábado com mais de 300 drones, mísseis de cruzeiro e balísticos, a maioria intercetados, no entanto, por Israel, segundo os militares israelitas.
O Irão é forçado a reagir aos assassinatos seletivos de oficiais de alto escalão da Guarda Revolucionária, diz Azizi. “Se o Irão não reagir agora, significaria que não possui meios de dissuasão contra Israel.”
Ao mesmo tempo, Azizi recorda que o Irão — que já confirmou que não tem mais nenhum ataque planeado — não quer um grande confronto militar contra Israel, pois poderia forçar os EUA a intervir no conflito, com consequências imprevisíveis para o regime em Teerão.
Ex-aliados que se tornaram inimigos
O Irão e Israel são inimigos há décadas. Teerão nega o direito de existência de Israel e ameaça o “regime sionista” com aniquilação; Israel, por sua vez, considera o Irão o seu arquinimigo — mas essa relação nem sempre foi assim.
Até à Revolução Islâmica no Irão em 1979, os dois países eram próximos aliados. O Irão foi um dos primeiros países a reconhecer Israel e a sua independência, em 1948, e via Israel como um contrapeso político bem-vindo aos países árabes vizinhos.
Por sua vez, Israel via o Irão como um aliado contra os países árabes nos conflitos do Médio Oriente.
Israel treinou especialistas agrícolas iranianos, forneceu conhecimento técnico e ajudou a construir e treinar as Forças Armadas persas. O Irão pagou por isso com petróleo, que era urgentemente necessário para Israel durante a sua ascensão económica.
O Irão chegou a ser o lar da segunda maior comunidade judaica fora de Israel. Após a revolução, muitos judeus deixaram o país, mas mais de 20 mil ainda lá vivem.
Ponto de viragem da Revolução Islâmica
Após a vitória da Revolução Islâmica no Irão e a tomada do poder pela ala religiosa dos revolucionários sob o comando do aiatolá Ruhollah Khomeini, Teerão revogou todos os tratados com Israel, e Khomeini passou a criticar duramente Israel pela ocupação dos territórios palestinos.
Teerão desenvolveu gradualmente uma retórica severa contra Israel com o objetivo de ganhar a simpatia dos estados árabes ou, pelo menos, da população desses países. O regime iraniano procurava aumentar a sua própria influência dessa forma.
Quando Israel interveio na guerra civil libanesa, em 1982, e invadiu o sul do país, Khomeini também enviou guardas revolucionários iranianos a Beirute para apoiar as milícias xiitas de lá. Até hoje, o Hezbollah, surgido naquela época, é considerado o braço direito de Teerão no Líbano.
O atual líder religioso do Irão, o aiatolá Ali Khamenei, que tem a palavra final em todos os assuntos, mantém essa política. Khamenei e toda a liderança da República Islâmica do Irão questionam repetidamente o facto histórico do extermínio em massa sistemático dos judeus europeus no Holocausto e tentam relativizá-lo ou mesmo negá-lo.
Política é controversa entre iranianos
A hostilidade e o ódio da liderança de Teerão para com Israel não têm apoio total entre a sociedade iraniana. “O Irão tem de reexaminar a sua relação com Israel”, disse a ex-parlamentar Faezeh Hashemi Rafsanjani numa entrevista em 2021. Filha do ex-presidente Ali Akbar Hashemi Rafsanjani, enfatizou que os uigures muçulmanos na China e os tchetchenos na Rússia também estão a ser oprimidos. “No entanto, o Irão mantém relações estreitas com a Rússia e a China.”
O reconhecido cientista político Sadegh Zibakalam, que é crítico do governo, também contesta a política do Irão em relação a Israel. “Essa postura isolou o país no cenário internacional”, enfatizou o professor da Universidade de Teerão em entrevista à DW em 2022.
No entanto, a hostilidade em relação a Israel e a política de resistência às grandes potências encontraram apoiantes entre os seguidores leais da República Islâmica.
Há “alguma frustração” dentro da base de apoio do regime, e também regionalmente no chamado Eixo de Resistência, sobre a contenção iraniana em relação a Israel no contexto da guerra em Gaza, diz o especialista Ali Fathollah-Nejad, diretor do instituto de pesquisa berlinense Center for Middle East and Global Order (CMEG), que identifica um “alto nível de frustração com a falta de credibilidade do Irão como o principal apoiante da causa palestina e com a relutância do Irão em confrontar Israel diretamente”.
No entanto, Fathollah-Nejad acredita que o Irão usará as suas milícias pró-iranianas na Síria e no Iraque e os houthis no Iémen para retaliar.
ZAP // DW