Como um cruzar e descruzar de pernas entrou na política britânica (e o que diz dela)

8

@AngelaRayner / Twitter

Deputada Angela Rayner

Deputada Angela Rayner do Partido Trabalhista britânico.

Uma notícia sobre o cruzar e descruzar de pernas da deputada Angela Rayner, do maior partido da oposição a Boris Johnson, lançou a polémica no Reino Unido. Entre discussões sobre sexismo e comparações com Sharon Stone em “Instinto Fatal”, até se questiona a liberdade de imprensa.

A notícia foi publicada pelo Daily Mail, um dos tablóides sensacionalistas mais conhecidos do Reino Unido, tendo como fonte um deputado conservador, ou seja, do partido de Boris Johnson, dando conta de que a deputada Angela Rayner “cruza e descruza as pernas” de forma deliberada, durante os debates parlamentares, para “distrair” o primeiro-ministro.

O artigo fazia referência ao facto de a vice-líder do Partido Trabalhista se sentar mesmo em frente ao lugar que é ocupado por Boris Johnson, na primeira bancada do principal partido da oposição.

Assim, notava que Rayner usaria a “táctica” das pernas para “perturbar” Boris Jonhson por saber que “não pode competir” com o primeiro-ministro em termos de capacidade de argumentação e oratória.

A publicação referia também as baixas qualificações da deputada de 42 anos, com o texto a classificá-la como “uma avó socialista que deixou a escola aos 16 anos quando estava grávida“.

Em comparação, realçava que Boris Johnson se formou “numa escola privada”, em Eton, que é frequentada pelas elites, seguindo depois para a Universidade.

O artigo foi criticado por quase todos os quadrantes da política britânica, desde os partidos da oposição ao Governo.

O próprio Boris Johnson o criticou de forma clara, realçando perante os deputados, na Câmara dos Comuns, que “não pode haver absolutamente nenhum lugar” para o sexismo no Parlamento britânico.

No Twitter, o primeiro-ministro britânico reforçou a condenação da “misoginia” dirigida “anonimamente” a Rayner, salientando que a “respeita” como parlamentar, apesar de discordar dela “em quase todos os assuntos políticos”.

Boris Johnson também ameaçou, em declarações aos jornalistas, que vai desencadear os “terrores da Terra” se a fonte por trás da história, ou seja, um deputado conservador, for identificada.

“Mulheres na política enfrentam sexismo todos os dias”

Rayner já acusou o partido de Boris Johnson de ter “um problema com mulheres” e de querer “espalhar calúnias depravadas desesperadas” para distrair a opinião pública dos escândalos do primeiro-ministro, nomeadamente da pressão para a sua demissão depois de ter sido multado por violar as restrições da pandemia covid-19.

Sobre o artigo do jornal, a deputada salientou que as “injúrias sexistas” foram “mortificantes e profundamente dolorosas”. “As mulheres na política enfrentam sexismo e misoginia todos os dias – e eu não sou diferente”, realçou ainda através do Twitter.

“Eu sei como é ser desprezado – e sei como é lutar para sobreviver. O que quer que as pessoas digam sobre mim, tenho orgulho do meu passado. Informa sobre os meus valores trabalhistas e sobre as prioridades do nosso partido – oferecendo ajuda real às pessoas, agora mesmo”, destacou ainda Rayner no Twitter.

Em entrevista ao canal de televisão ITV depois do artigo do jornal, Rayner surgiu de calças, sublinhando que não quer ser “julgada” pelo que veste e confessando que a notícia a deixou “abatida” e que teve que preparar os filhos para o que escreveram.

Quanto à sua prestação no Parlamento, destaca que só se preocupa em “fazer um bom trabalho” e em “ser capaz de fazer justiça” por quem a elegeu.

“Jornalistas devem ser livres para relatar o que lhes dizem”

Face às críticas de todos os quadrantes, o presidente do Parlamento britânico, Lindsay Hoyle, convocou o director do jornal, David Dillon, para dar justificações sobre uma notícia que “emitiu alegações infundadas misóginas e ofensivas”, como apontou.

Mas David Dillon recusou a audiência com Lindsay Hoyle, reclamando a “liberdade de imprensa” e apontando que os jornalistas “não devem receber instruções de funcionários da Câmara dos Comuns, por mais augustos que sejam”.

Numa carta publicada no Daily Mail, o director sublinha que o jornal “condena o sexismo e a misoginia em todas as suas formas”, mas realça que “os jornalistas devem ser livres para relatar o que os deputados lhes dizem sobre conversas na Câmara dos Comuns, por mais desagradáveis que possam ser”.

Vários vozes da política e do jornalismo britânicos já criticaram o presidente do Parlamento pelo pedido de audiência com Dillon, considerando que é uma posição “extraordinária” que pode ser vista como uma tentativa de interferência na liberdade dos jornalistas.

“Nada de bom pode vir de parlamentares a tentarem envolver-se na decisão do que é e do que não é escrito nos jornais“, sublinhou uma fonte do Governo citada pelo Daily Mail.

Em reacção às críticas, Lindsay Hoyle já disse que defende a liberdade de imprensa, sublinhando que só queria fazer “um apelo para que sejam considerados os sentimentos de todos os deputados e das suas famílias, e o impacto na sua segurança, quando os artigos são escritos”. “Gostaria apenas de pedir que todos nós sejamos um pouco mais gentis“, apontou ainda.

Deputados dizem que Rayner até “brincou com a táctica” das pernas

Em jeito de justificação da notícia, o Daily Mail garante que há quatro deputados conservadores, entre os quais uma mulher, que atribuíram à própria Rayner a origem das alegações, considerando, assim, que foi a deputada dos Trabalhistas “quem brincou com a sua “táctica” durante uma noite no terraço” da Casa dos Comuns.

O jornal também comparou o “cruzar e descruzar de pernas” de Rayner com a famosa cena com Sharon Stone no thriller erótico “Instinto Fatal”.

De resto, o Daily Mail garante que foi a deputada que se referiu a essa comparação, rindo, durante a participação num podcast de um humorista britânico, em Janeiro passado, quando falava dos memes que existiam na Internet sobre o assunto.

Nesse podcast, Rayner abordou a forma como é tratada como mulher na política, nomeadamente pelos seus pares parlamentares – “há sempre alguém que tem uma opinião quanto ao que eu visto“, referia então.

Na mesma altura, a deputada trabalhista também se riu sobre a insinuação de que o primeiro-ministro “flirtava” com ela quando entravam em confronto no Parlamento. Rayner acabou a notar que Boris Johnson e outros ministros homens “não sabem como lidar” com uma mulher da classe trabalhadora como é o seu caso.

Agora, em jeito de resposta para a ligeireza com que abordou o assunto no podcast, Rayner usa o seu Twitter para notar que “como mulheres, às vezes tentamos deixar de lado o sexismo que enfrentamos, mas isso não torna tudo bem”.

O Parlamento britânico é conhecido pelo ar austero e conservador, sendo dominado por homens como tantos outros Parlamentos pelo mundo. As mulheres ocupam, actualmente, 34% dos 650 lugares da Casa dos Comuns.

Susana Valente, ZAP //

8 Comments

      • Ah?! Oh alminha… mas tu conheces-me?
        Paranóia contra os EUA??
        Quando/onde? Deves estar a fazer confusão com algum maluquinho do PCP…

        E sobre o degredo que é a política americana; nada?

      • ..então não? ela abre e fecha as pernas para desconcentrar o Boris. O Boris e seus ministros fazem festinhas regadas a alcool no número 10 em época de pandemia. Só podem ser muito liberais para fazer isso tudo………e ainda temos aqueles que andam a snifar pelas casas de banho do parlamento……
        mais liberal que isso não deve haver…

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.