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Andamos a debater frases que nunca foram ditas. Nuno Melo junta-se à lista

António Pedro Santos / LUSA

Nuno Melo, ministro da Defesa

A “ficção científica”, as notícias falsas, ou o “estou aqui por algo que não disse”. Será preciso mais cautela quando se transcrevem ou analisam declarações.

Entre as várias movimentações que se registaram no Parlamento nesta quarta-feira, Nuno Melo foi um dos protagonistas.

O ministro da Defesa foi chamado para explicar a alegada ideia de colocar nas Forças Armadas os jovens que cometam pequenos delitos.

Estou aqui por algo que eu não disse e, no limite, por uma opinião”, reforçou Melo.

Para mostrar que nunca sugeriu que Portugal deveria ter delinquentes na tropa, foi transmitido o vídeo com as suas declarações – na íntegra – sobre o assunto, na Universidade Europa.

“Não apresentei nenhuma medida, proposta, intenção ou qualquer estudo. No limite, emiti uma opinião“, reforçou, seguindo um comunicado do seu ministério, que tinha avisado que a hipótese era um exemplo académico.

O ministro disse que quis demonstrar preocupação “em relação às vidas de muitos jovens que cresceram em contextos desfavorecidos” – já na Universidade Europa tinha comentado que os jovens delinquentes são colocados em instituições que, “na maior parte dos casos, só funcionam como uma escola de crime para a vida”.

A desinformação

Nuno Melo também lamentou a “realidade paralela” em que viveu no dia seguinte quando, alega, reparou que as duas declarações foram alvo de múltiplas análises erradas. Foram “interpretações delirantes”, descreveu.

E deixou um apelo: “A Assembleia da República não é espaço para exercícios de ficção científica (…) e deve ajudar o país a combater campanhas de desinformação”.

Não é o primeiro caso.

Sobretudo na política – mas não só – a opinião pública em Portugal tem acumulado casos (inventados?) com base em frases que não foram ditas. Ou que foram ditas mas, no momento da análise, são descontextualizadas. Não ouvem tudo.

E sim, os jornalistas, não sendo os únicos “culpados”, contribuem muito para estas distorções que originam debates que nem deveriam ter começado.

Exemplo recente: poucos dias depois da eleições legislativas em Março, foi emitido um programa de rádio exclusivamente dedicado a uma ideia do PS…que nunca foi dita.

Um órgão de comunicação social de referência (não interessa referir qual, poderia ter sido outro) alegou que o PS estava a mudar de postura, que tinha passado a admitir que podia ganhar as eleições com os votos dos emigrantes. E que Alexandra Leitão já estava a sugerir o que deveria ser feito depois dessa eventual vitória (partido com mais votos = partido que forma Governo).

A pergunta que preencheu todo o programa foi: porque está o PS a mudar o seu discurso? Errado. De facto, Alexandra Leitão deixou essa ideia – mas logo a seguir disse e repetiu: aquele cenário era o menos provável. O PS não iria vencer as eleições, quase de certeza. Mas, como lhe perguntaram o que deveria acontecer “se” o PS ganhasse, respondeu. Mas a deputada realçou que essa vitória seria quase impossível.

No entanto, esta última ideia nunca foi mencionada no tal programa de rádio – e assim o programa dedicou-se na íntegra a uma ideia errada, ou no mínimo distorcida.

Na mesma fase, durante um debate televisivo, Hugo Soares (PSD) deixou um aviso: muitas vezes andamos a debater frases que os políticos nunca disseram.

Tem razão. É frequente ouvirmos opiniões baseadas em distorções, ou mesmo citações erradas. E é frequente ler títulos que distorcem a realidade. É uma rotina quase semanal. E muitas vezes o debate (sem fundamento) prolonga-se por dias, ou chega a durar uma semana.

Podemos e devemos analisar ideias, hipóteses, considerações. Mas, sobretudo na imprensa escrita, ao escrever, convém ouvir tudo. E quem analisa e debate na televisão ou na rádio, precisa de ouvir todo o contexto e ouvir bem, palavra por palavra.

Estás notícias falsas sempre apareceram. Agora têm divulgação mais fácil por causa das redes sociais – quer nas reacções, quer nos próprios títulos.

Voltando a Nuno Melo…

Depois desta análise às análises, vamos analisar o que disse Nuno Melo depois do vídeo, das explicações e do apelo ao combate à desinformação.

Após ter dito que nunca disse o que disseram (que o Governo quer delinquentes no serviço militar), o ministro da Defesa lembrou-se de…deixar exemplos de países que fazem precisamente isso: EUA, Reino Unido, Austrália ou Nova Zelândia.

Seria uma “má importação”, reagiu Fabian Figueiredo, do BE.

António Filipe, do PCP, atirou: “O senhor ministro ia muito bem e descarrilou quando veio dizer que há muitos países que mandam delinquentes para as Forças Armadas”.

“Ver o que se passa no resto do mundo é bom”, respondeu Nuno Melo.

Nuno Teixeira da Silva, ZAP //

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