A covid-19 está mais perto de se tornar endémica em Portugal. O que é que isto implica no quotidiano?

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O número de casos tem aumentado, mas os internamentos e as mortes não têm acompanhado a enorme subida de infecções. Portugal pode já estar a entrar na endemia, que implicará uma convivência mais normal com o vírus.

Apesar dos sucessivos recordes de novos casos diários às cavalitas da variante Ómicron, os números dos internamentos e das mortes não têm acompanhado a subida galopante das infecções. Desta forma, fala-se de que Portugal pode estar já na fase endémica. Afinal, o que é que isto significa?

Se uma epidemia se refere a uma doença contagiosa que se espalha rapidamente, uma pandemia já implica que o planeta inteiro esteja a ser afectado. Uma endemia não significa que a doença deixe de circular, mas sim que esta já está mais controlada.

“Enquanto a endemia assume um conceito estrito de normalidade de circulação ou daquilo que é esperado, a pandemia diz que está a ocorrer acima do que é esperado”, revela o médico de saúde pública Bernardo Gomes, ao ECO.

Esta normalidade pode estar perto, pelo menos na Europa. O director da Organização Mundial da Saúde no Velho Continente, Hans Kluge, já afirmou que “é plausível que a região esteja a chegar ao fim da pandemia”.

“Quando a vaga da Ómicron diminuir, haverá, por algumas semanas ou meses, imunidade geral. Seja por causa da vacina ou porque as pessoas ficarão imunes devido às infecções, para além de uma quebra por causa da sazonalidade“, referiu.

A fase endémica deve começar em Portugal quando entrarmos numa “situação de equilíbrio entre o vírus e a população humana”, o que significa que “à semelhança de outras infeções respiratórias com as quais lidamos periodicamente, este vírus também vai passar a fazer parte dos vírus respiratórios que vão estar em circulação” e vai deixar de “pôr em causa a vida e a saúde das pessoas”, explica Miguel Prudêncio, investigador do Instituto de Medicina Molecular.

Bernardo Gomes ressalva ainda que o “património colectivo imunitário” criado com a vacinação e as infecções vai acelerar a “normalização” da doença e que esta deve ser avaliada olhando-se para a “ocupação em unidades de cuidados intensivos”. Mesmo assim, nada está garantido devido ao risco de aparecer uma variante mais perigosa.

A elevada transmissibilidade da variante Ómicron pode também ajudar a que se entre na endemia mais rápido, já que aparentemente também causa doença menos grave e ajuda assim também a reduzir a pressão sobre o sistema de saúde.

A alta taxa de vacinação em Portugal também é um trunfo que nos tem permitido enfrentar a nova variante sem a ruptura nos hospitais, já que a Ómicron tem causado muitos problemas em países com uma imunização mais baixa.

O Bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, já tinha previsto que os casos comecem a diminuir em Fevereiro e que a subida das temperaturas da Primavera leve a que em Março a doença “fique, de facto, endémica”.

Nem todos os países vão entrar na endemia ao mesmo tempo

Dada a influência da vacinação na situação pandémica de cada país, haverá países a entrar na fase endémica mais rápido que outros.

“Em países em que a taxa de vacinação seja muito diferente da nossa, esse processo de criar uma imunidade populacional que permita que o vírus circule sem se traduzir num número de casos graves de doença inaceitável é menor do que se tivermos uma população vacinada em larga escala como temos”, explica Miguel Prudêncio.

É precisamente devido às grandes assimetrias na vacinação em diferentes partes do mundo que a OMS tem deixado repetidos apelos a que se reduza o fosso entre os países pobres e os ricos, já que enquanto no Ocidente já se dá terceiras doses, há muita gente em nações menos favorecidas que ainda nem receberam a primeira.

A circulação descontrolada do vírus nestes países aumenta o risco de surgirem novas variantes e até de aparecer alguma que seja resistente às vacinas.

Nos países com taxas de vacinação altas, a forma como a pandemia é encarada já tem vindo a mudar. O Centro Europeu para a Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC) também “encoraja os países a fazer a transição de um sistema de vigilância de emergência para outros mais sustentáveis ​​e orientados para objectivos”.

Em Espanha, por exemplo, o primeiro-ministro está a ponderar usar um sistema de monitorização da covid-19 igual ao da gripe, deixando assim de emitir boletins diários com todos os casos e abandonando a testagem a todas as pessoas que tenham sintomas.

O Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) também está aberto a fazer algo semelhante em Portugal já na Primavera e integrar a vigilância do coronavírus nas redes dedicadas a outras doenças respiratórias, como a gripe.

A decisão final cabe à Direcção-Geral da Saúde e a OMS já fez saber que considera que a proposta espanhola ainda é precoce. Uma equipa do Instituto Superior Técnico (IST), também já propôs que Portugal comece a “preparar o pós-Covid-19” em meados de Fevereiro.

O presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, Gustavo Tato Borges, revela ao Observador que a automatização que está a ser feita no sistema de vigilância em Portugal — com cada pessoa a preencher o seu formulário, a cumprir o isolamento sem precisar de um médico e a abandoná-lo sem ter de ter alta — já um primeiro passo para esta maior normalidade na abordagem ao vírus.

“O mecanismo que está a ser colocado em marcha é para a gestão individual e para largar a vigilância apertada do SNS [Serviço Nacional de Saúde]”, revela.

A futura convivência com o vírus

A nossa relação futura com o vírus depende de vários factores que ainda são uma incógnita, como a duração da imunidade dada pelas vacinas, o número de não vacinados ou o eventual surgimento de novas variantes.

Mesmo assim, na endemia devemos passar a “conviver com este vírus como convivemos com outros vírus respiratórios”, sabendo que “algumas pessoas vão apanhar a infecção e vão ter sintomas ligeiros e outras vão ter sintomas mais graves, como acontece com os outros vírus todos”, aponta Miguel Prudêncio.

Assim, é provável que a vacinação regular deixe de ser recomendada a toda a população e que seja apenas dirigida à população que está mais em risco, como os idosos ou os doentes crónicos — tal como acontece com a gripe.

A nível social, devem acabar os estados de emergência, os confinamentos e as outras limitações impostas para conter o vírus. As baixas a 100% para quem o contrair também devem acabar.

Bernardo Gomes sublinha ainda que agora já temos “conhecimento suficiente acumulado para sabermos como devemos reagir em momentos de maior circulação de vírus” pelo que as recomendações mais específicas adaptar-se-ão de acordo com o contexto em que vivemos.

“Vai ser normal que as pessoas passem a ir trabalhar de máscara. Qualquer pessoa que tenha sintomas respiratórios deverá usar proteção individual. E é perfeitamente normal que as empresas possam usar estratégias como o teletrabalho, os horários desfasados ou o trabalho por turnos”, antecipa Gustavo Tato Borges.

O recurso aos testes também deve ser menor, já que o seu uso generalizado não ajudou a evitar a escalada de casos com a Ómicron e porque “não é sustentável” continuarmos a usá-los desta forma.

Adriana Peixoto, ZAP //

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