Em 2010 disse que, por ser chinês, podia “falar por toda a Ásia”. Em 2014, foi preso pelo governo por suspeitas de corrupção. Agora, nega envolvimento em escândalos.
Foi durante a campanha “anti-corrupção” do Presidente Xi Jinping, em julho de 2014, que Rui Chenggang, jornalista da estação televisiva estatal chinesa CCTV, foi preso depois de ser acusado de aceitar subornos.
Não foi divulgado um motivo para a detenção de Rui, e os seus fãs nunca souberam nada sobre o seu julgamento, mas os meios de comunicação social chineses garantiram que foi condenado a seis anos de prisão em 2016 por um tribunal na província de Jilin, no nordeste do país.
Era muito ativo na rede social Weibo, uma das mais populares da China, onde contava com mais de 11 milhões de seguidores, mas após a sua detenção Chenggang desapareceu para o mundo. Alguns utilizadores chegaram mesmo a pensar que tivesse “sido morto em silêncio“, como cita a BBC. O nome do jornalista é um dos tópicos de pesquisa proibidos na rede social.
Esta segunda feira, Rui Chenggan surpreendeu os internautas com um vídeo de 17 minutos no YouTube, mas só aqueles que não vivem na China: esta rede social está banida no país.
No vídeo, legendado apenas em chinês, mas com passagens traduzidas pelo South China Morning Post, o jornalista negou as especulações sobre ter sido um espião, bem como o seu envolvimento em “vários escândalos” no passado.
Não mencionou o motivo da criação do canal de YouTube, mas garantiu ter “saudades de todos”. Contou que trabalha agora como “investidor”, e sobre os rumores que correm sobre si, nomeadamente o de ter tido relações com mulheres de altos funcionários ou ter sido morto na prisão, garante: “são notícias falsas“.
As notícias da morte de Chenggan, ao que tudo indica, eram manifestamente exageradas.
Nacionalista. Mas o suficiente?
Rui Chenggan é conhecido por ter entrevistado figuras de destaque internacional como o antigo Primeiro-Ministro da Austrália, Tony Abbott, e pela sua personalidade frontal.
Numa conferência de imprensa do ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama, a sua abordagem tornou-se polémica quando o político declarou que ia responder a um jornalista sul-coreano. Chenggan interveio: “Na verdade, sou chinês. Mas acho que posso representar toda a Ásia, somos uma família aqui, nesta parte do mundo”.
O jornalista tinha já ficado célebre em 2007 após liderar a bem sucedida campanha que fez retirar da da famosa atração turística de Pequim, a Cidade Proibida, um café da cadeia internacional Starbucks. Num blogue, Chenggan referia-se à cafetaria como uma invasão do património histórico chinês, ideia apoiada por muitos internautas.
Um ano mais tarde, voltou a gerar controvérsia ao questionar ao antigo embaixador dos Estados Unidos, Gary Locke, se o seu voo em classe económica para a cidade chinesa de Dalian, no nordeste do país, para o fórum económico da Reunião Anual dos Novos Campeões era uma lembrança do dinheiro que Washington devia a Pequim.
Na década de 2010, o jornalista popularizou-se no panorama internacional ao apresentar vários programas no canal financeiro CCTV-2, onde adquiriu uma fama de “arrogante”, “agressivo”, e “pivot estrela”, conforme noticia o South China Morning Post.
Apesar do seu nacionalismo evidente, alguns utilizadores das redes sociais acreditam que Rui terá sido “bode expiatório” do poder estatal, erradicado da China por membros do governo.
Segundo a BBC, o jornal chinês China Business Journal terá publicado recentemente um artigo na edição online e impressa acerca do desaparecimento do jornalista. O texto terá então sido censurado pelo governo chinês, e desapareceu por completo da Internet.
No artigo, lia-se: “[Chenggan] desapareceu, e não apenas do ar… juntamente com muitos funcionários [da CCTV] num verão invulgarmente ‘quente'” – numa referência subentendida à intervenção do governo chinês no jornalismo livre e democrático.
Existem outros casos na China de cancelamento de jornalistas, como é o caso do jornalista de investigação Wang Zhian, que trabalhou na CCTV durante mais de uma década e vive agora no Japão após ter sido banido das redes sociais chinesas.
Outro exemplo é Chai Jing, jornalista que desapareceu há nove anos, depois de ter publicado um documentário sobre a poluição atmosférica na China, e que reapareceu em Espanha o ano passado.
Também a jornalista australiana Cheng Lei, que trabalhava para o jornal chinês CGTN, foi detida pelo governo e presa em 2020, após publicar uma fotografia em frente a uma filial recém-inaugurada da cadeia norte-americana de restaurantes Shake Shack.