Depois do suicídio de Robin Williams, em agosto de 2014, seguiu-se um padrão trágico: um pico de mortes por suicídio, estimado em mais de 1800 mortes adicionais em 4 meses nos Estados Unidos.
Este contágio suicida, como é chamado, é um fenómeno bem conhecido, especialmente após a morte de uma celebridade.
Segundo o Science, pode ocorrer em grupos mais pequenos, como por exemplo, em escolas ou noutras comunidades, embora o contágio possa ser atenuado com determinadas intervenções.
Ainda assim, é um mistério. Não se sabe a forma como os pensamentos e comportamentos suicidas se propagam e o que alimenta a transmissão.
Um novo estudo publicado na Science Advances explora estas questões, modelando o suicídio de forma muito semelhante a um agente patogénico, como a gripe ou a COVID-19.
Os autores sublinham que a nova estratégia é, pelo menos, tão importante como os resultados iniciais que o seu modelo produziu.
Esperam que, a longo prazo, este tipo de modelação possa fazer avançar a compreensão do contágio do suicídio, ajudar a prever o risco de suicido e orientar melhor os esforços de prevenção.
Embora o suicido não seja transmitido da mesma forma que um vírus, o modelo produzido pela equipa é “muito convincente”, diz Nick Allen, um psicólogo clínico que estuda a prevenção do suicídio na adolescência na Universidade de Oregon e que não esteve envolvido no trabalho.
O mesmo clínico diz estar ansioso por mais pormenores. Diz que “seria ótimos (…) compreender melhor os diferentes padrões na comunidade, se há certos grupos que são mais suscetíveis a este tipo de contágio”.
Jeffrey Shaman, climatologista e modelador de doenças infeciosas da Universidade de Columbia, juntamente com Katherine Keyes, epidemiologista psiquiátrica da Columbia, e colegas, começaram por procurar estabelecer as taxas de pensamento e comportamento suicida na população dos EUA.
Basearam-se nas taxas de natalidade e mortalidade, em inquéritos nacionais que incluem perguntas sobre pensamentos suicidas, chamadas para a linha nacional de apoio ao suicídio e outros dados.
Também quantificaram três categorias de pessoas: as que não estavam a pensar em suicídio, as que estavam a pensar em suicídio e as que tinham morrido por suicídio nos últimos dias.
Os dois últimos grupos, observa Shaman, podem, por sua vez, afetar o pensamento e o comportamento suicida de outras pessoas.
O modelo resultante foi uma série de equações matemáticas que representam esses três grupos e a forma como se influenciam mutuamente.
Os cientistas observaram, então, o que acontecia quando o modelo era perturbado, quando uma celebridade morria por suicido.
Estudaram os efeitos da morte de Williams, bem como os da designer de moda Kate Spade e do chefe de cozinha Anthony Bourdain, que ocorreram com três dias de intervalo em 2018 e foram examinados no estudo como um único evento.
Para registar os efeitos dessas mortes no contágio, os cientistas incorporaram informações adicionais. Primeiro, o volume de chamadas e os tempos de chamada do que agora é o 988 Suicide and Crisis Lifeline, que serviu como uma estimativa para o pensamento suicida; E o segundo, dados de mortalidade do National Center for Health Statistics.
Após a morte de Williams, o modelo sugeriu que, para as pessoas que não estavam a ter pensamentos suicidas, o risco de começarem a tê-los aumentou brevemente 1000 vezes. Para aqueles que já estavam nessa situação, o suicido tornou-se três vez mais “contagioso” do que era antes.
Os padrões de contágio do suicídio foram semelhantes após as mortes de Spade e Bourdain, embora não tão pronunciados — talvez porque a cobertura mediática se tenha tornado mais responsável, diz Keyes.
Também é possível que menos pessoas no público em geral se sintam tão profundamente ligadas a Spade e Bourdain.
Tanto em 2014, como em 2018, o modelo mostrou que o pico de contágio diminuiu rapidamente, caindo para perto da linha de base dentro de um mês ou mais. Muitos dos que estavam na categoria de pensamento suicidas fizeram a transição de volta para sem pensamentos suicidas.
Allen e outros observaram que há limitações nos dados. Por exemplo, as chamadas para a linha de apoio ao suicídio podem aumentar devido a um aumento do pensamento suicida, diz Allen, mas também porque a linha de apoio é publicitada nas notícias após a morte de uma celebridade.
Em última análise, todos os que trabalham nesta área partilham o mesmo objetivo: evitar mais mortes. Uma forma de o fazer, diz Ronald Kessler, epidemiologista psiquiátrico da Universidade de Harvard, é analisar os subgrupos afetados por uma determinada morte por suicido — homens vs mulheres, ou diferentes grupos etários — por exemplo.
Isto permitiria que os esforços de prevenção, como o contacto direto com as pessoas em risco, fossem mais direcionados. O epidemiologista psiquiátrico os resultados deste modelo “razoáveis, mas limitados“, em parte porque são muito abrangentes.
Keyes concorda que o modelo é “uma primeira tentativa”. Ela e Shaman esperam incorporar mais informações ao longo do tempo, como dados de hospitalização de tentativas de suicido.
Shaman também quer perceber quanto do efeito e contágio se deve à morte original e quanto ao efeito secundário do contacto com as pessoas afetadas — mais uma vez, semelhante à propagação de agentes patogénicos.
Com aperfeiçoamentos, Key espera que o modelo possa ser utilizado para prever e responder ao risco de contágio após um novo acontecimento, abrandando a propagação de danos e mágoas.
Portugal tem meios de prevenção suficientes?
“Em Portugal, os últimos dados apontam para três mortes por dia”, afirmou a deputada Isabel Pires. No documento, o BE refere que morrem todos os anos no mundo cerca de 800.000 pessoas por suicídio.
De acordo com a deputada socialista Anabela Rodrigues, estão “em pleno funcionamento” 20 equipas comunitárias de saúde mental e existem 1.114 psicólogos no SNS.
NOTA: se tiver pensamentos suicidas, contacte uma destas Linhas de Apoio | ||
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