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Foi grande e bonito. Como a Europa intrujou Trump

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ZAP // Remko de Waal / EPA; Vecteezy

A cimeira que teve lugar em Haia esta semana terminou com o compromisso dos membros da NATO de gastar 5% do PIB em investimentos na defesa — mais do dobro da meta atual de 2%. Foi uma grande e bonita vitória de Pirro para Trump.

Os líderes da NATO confirmaram na quarta-feira o seu compromisso de mais do que duplicar os gastos em defesa até 2035, usando, nas suas declarações finais, palavras como “salto quântico”, “crucial” e “momentoso”.

O presidente dos EUA, Donald Trump, que há muito apelava a que os aliados estabelecessem uma meta de 5% do PIB, proclamou mais uma grande vitória, salientando que “mais de um bilião de dólares por ano vai agora der gasto em defesa pela Europa e Canadá”.

Não é claro se, embalado por Narciso e pelos recentes elogios de Mark Rutte, Trump acha mesmo que “a Europa vai pagar à GRANDE” — ou se o presidente norte-americano percebeu que foi enrolado pelos líderes europeus, e a sua proclamação de vitória grande e bonita é apenas para consumo interno.

Os aliados, quase todos, comprometeram-se efetivamente a gastar 5% do PIB em defesa; mas apenas 3,5% serão aplicados em gastos essenciais para comprar equipamento militar e manter tropas.

Os restantes 1,5% serão, na verdade, gastos em investimentos relacionados com defesa — a que foi dado o nome de “investimentos de duplo propósito” — que podem ser aplicados em mobilidade militar, cibersegurança, cooperação militar e civil e resiliência em infraestruturas críticas.

Na segunda-feira, o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, tinha já garantido que Portugal irá cumprir as “duas etapas” do compromisso de chegar aos 5% de gastos em defesa.

Obviamente que há aqui duas etapas, uma etapa é a etapa dos 2% do PIB, em que Portugal não estava ainda no nível que é exigível para os países da NATO”, ressalvou o chefe da diplomacia portuguesa.

“Além disso, temos depois esta proposta dos 5%, mas, como se sabe, o secretário-geral, Mark Rutte, dividiu isso em 3,5%, que será investimento na defesa no sentido mais clássico e tradicional do termo, e depois 1,5% em infraestruturas”, especificou.

“Isto significa estradas, portos, aeroportos, muitas das quais são infraestruturas, no fundo, de duplo uso, isto é, estruturas críticas para cada Estado, mas, num tempo em que os riscos são maiores, os estados têm de estar preparados para outras eventualidades”, concluiu Rangel.

Ou seja, com um pouco de jeito, o Governo poderá inscrever no Orçamento de Estado como “investimentos na defesa”, entre outras, as verbas aplicadas no combate ao cibercrime, na construção de novas vias ou melhoria das existentes, e na revitalização de portos ou aeroportos.

Com um pouco de jeito, talvez seja também possível substituir o SIRESP por um sistema eficaz de comunicações de emergência, que nos permita sobreviver a apagões e garantir que estamos em prontidão para “cooperar militar e civilmente” com os nossos aliados.

Com um jeitinho um pouco maior, às tantas ainda se consegue justificar que num eventual conflito militar é essencial poder mobilizar tropas num TGV — e inscrever os investimentos necessários à sua construção na rubrica de defesa.

E com muito jeito, ainda se constrói o novo aeroporto, onde quer que seja, com “investimentos de defesa”. Afinal, pode ser útil ter mais uma base disponível se um dia for necessário abastecer bombardeiros a caminho de uma visita a Moscovo.

Na verdade, se juntarmos imaginação ao jeito, qualquer tipo de investimentos em infraestruturas, equipamentos ou serviços pode ser justificado como “gastos com a defesa”.

Assim, se os seus governos tiverem esse jeito, Portugal e os restantes países da NATO não vão ter dificuldade em cumprir os 1,5% do PIB a usar em “investimentos de duplo propósito” — e garantir que Donald Trump pode continuar a contar aos seus telespetadores a vitória grande e bonita que trouxe da Europa.

Resta saber até que ponto se pode também “dar um jeito” nos 3,5% que terão que ser gastos em defesa “no sentido mais clássico e tradicional do termo”. Afinal, imaginação foi coisa que nunca nos faltou.

Mas mesmo que não haja mistificação que salve os 3,5% a aplicar em “armas mesmo”, há um aspeto que talvez Donald Trump não tenha percebido: após as sucessivas ameaças de que retiraria os EUA da NATO e as guerras comerciais que abriu, a Europa acordou.

Declarações recentes da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e do chanceler Friedrich Merz, deixaram claro que a Europa ainda sabe nadar — e vai rearmar-se massivamente com um investimento de mais de 800 mil milhões de euros na sua própria indústria militar.

Assim, os tais 3,5% serão provavelmente gastos em “armas mesmo” adquiridas à Dassault Aviation, à KNDS Deutschland, e a outras empresas europeias. Donald Trump poderá ter tido uma grande e bonita vitória de Pirro.

E com um pouco de jeito, ainda se revitaliza o Arsenal do Alfeite.

Armando Batista, ZAP //

3 Comments

  1. O Armando Baptista está muito optimista. Eu tenho algumas dúvidas. Aeroporto,por exemplo, já existe – em Beja. E as armas e munições a adquirir serão, pelo menos a curto prazo, maioritariamente aos amaricanos. E no campo digital estamos muito atrasados em relação aos USA. Espero que a Rússia não dê cabo da UE e da NATO entretanto.

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  2. Muitos erros neste artigo. Mais um bocadinho e adicionávamos nova ponte a ligar o Barreiro a Lisboa, como infraestrutura militar.
    Os países pobres têm que procurar armamento do tamanho da sua bolsa, acrescido das características do país. No caso de Portugal, misseis, drones (nova realidade), e com a ZEE, submarinos.

  3. Investir em Defesa não é comprar armas. Comprar armas é gastar com a Defesa.
    Investir em Defesa é desenvolver ciência, tecnlogia e capacidade industrial que suporte a Defesa, e essa ciência, tecnlogia e capacidade industrial terão depois aplicações civis e comerciais que trarão retorno económico para todo o país.
    Temos indústria automovél que pode expandir o seu âmbito para fabricar componentes para veículos militares.
    Temos indústria naval que já fabrica navios de guerra e que pode expandir a sua capacidade.
    Temos indústria textil e de calçado que pode expandir-se para fabricar fardas de soldados e tendas militares.
    Temos indústria de conservas que pode expandir-se para fabricar rações de combate.
    Temos universidades e empresas que podem desenvolver UAVs (drones) em conjunto com as forças militares.
    Temos a base aérea de Beja que os alemães nos deixaram, que é hoje um aeroporto falhado, e que tem muito potencial.
    Temos sempre a contrução de abrigos anti bomba (bunkers) que pode ajudar a indústria da construção.
    Em termos de ciber segurança há muito para fazer.

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