Cobrar mais impostos aos milionários gera sentimentos paradoxais. E a ciência tratou de descobrir porquê

Um conjunto de estudos na área da psicologia chegou à conclusão que as pessoas tendem a ter mais simpatia com os milionários e respetivos privilégios quando estes se apresentam individualmente. Contrariamente, o “grupo” dos mais ricos revolta e sentimentos de injustiça junto cidadão comum.

Um conjunto de estudos na área da psicologia descobriu que a maioria das pessoas concorda com a ideia que, como grupo, os milionários devem pagar impostos correspondentes à dimensão da sua riqueza, mas considera que, enquanto pessoas individuais, estes deviam ser capazes de manter os valores, por muito altos que sejam. Trata-se de um paradoxo, que os cientistas acreditam estar relacionado com o que outras pesquisas anteriores na área da psicologia já evidenciavam: é mais fácil para o ser humano rever-se numa pessoa de forma isolada do que num grupo de indivíduos.

As conclusões da pesquisa dizem que as pessoas não têm tantos problemas com a desigualdade da distribuição da riqueza quando esta é enquadrada em termos mais pessoais, mesmo que o processo para lá chegar por uma empresa, por exemplo, seja semelhante. Pelo contrário, as pessoas tendem a achar que um milionário merece mais o seu dinheiro e são menos prováveis de apoiar a redistribuição de dinheiro. Às vezes, escreve a Science Alert, quando a discussão parte de um âmbito mais abrangente para um exemplo mais específico, as pessoas também tendem até a defender a ideia que se deve pagar mais aos milionários. Por outras palavras, os indivíduos parecem mais tolerantes com as pessoas que fazem parte do sistema do que com o sistema em si.

“Quando há um grupo de pessoas no topo, nós achamos que é injusto e pensamos quanta sorte ou quanto do sistema económico é que contribuiu para o processo que esteve na origem daquela riqueza”, explicou Jesse Walker, estudante na área do comportamento do consumidor na Universidade do estado do Ohio. “Mas quando olhamos para uma pessoa no topo, tendemos a pensar que ela é talentosa e trabalhadora, pelo que é mais merecedora de todo o dinheiro que fez.

Investigações científicas anteriores também mostraram que as pessoas tendem a atribuir mais os sucessos e fracassos de um indivíduo aos seus traços internos ou aspirações do que os resultados que têm origem na atividade de um conjunto de pessoas. Como tal, uma pessoa que consiga incluir-se no grupo de pessoas mais ricas do mundo será, mais provavelmente, considerada mais trabalhadora e mais talentosa do que o grupo como um todo. Esta tendência já está, provavelmente, refletida nos resultados deste estudo, assim como o que os especialistas chamam de “streaking star effect” (efeito da estrela às riscas, numa tradução literal para português), segundo o qual as pessoas se sentem mais inspiradas pelo sucesso de um indivíduo do que pelo sucesso de um grupo.

As conclusões apresentadas surgem de oito estudos diferentes, com um máximo de 600 participantes. O primeiro incluiu mais de 200 respondentes, a quem foi pedido que sugerissem uma remuneração adequada para os CEO’s. A metade dos participantes foi mostrada informações sobre os salários dos CEO’s das 350 maiores empresas dos Estados Unidos e como é que estes evoluíram — em média 372 vezes mais — face ao salário médio de um subordinado. A outra metade apenasleu sobre uma empresa específica, cujo salário do CEO cresceu de igual forma no mesmo período de tempo.

Entre os integrantes do primeiro grupo, todos concordaram que a maioria dos CEO’s nos Estados Unidos da América recebia demasiado dinheiro, sobretudo quando se comparava a quantia com a recebida pelo trabalhador médio. Pelo contrário, os integrantes do segundo grupo acharam que o CEO da empresa sobre a qual leram devia receber ainda mais, mesmo quando confrontados com os salários dos restantes trabalhadores.

Como tal, os cientistas responsáveis pelos estudos sugerem que a maneira como falamos sobre os milionários de forma individual, comparativamente com a forma como falamos sobre os milionários enquanto grupo, tem impacto no nosso discernimento relativamente aos impostos que são cobrados aos milionários, nomeadamente os impostos progressivos.

De forma a explorar esta premissa, um segundo estudo foi levado a cabo, tendo contado com a participação de 400 participantes. A estes, foi mostrada a capa da revista Forbes. Metade dos inquiridos viram um grupo de milionários na imagem (nenhum deles especialmente conhecido) e a outra metade viu apenas um milionário — apesar de todos terem tido acesso a uma pequena descrição biográfica dos indivíduos que estavam a ver. Posteriormente, foi pedido aos participantes que fizessem, por escrito, uma pequena reflexão sobre os milionários e respetivas riquezas.

Mais uma vez, os resultados reproduziram-se: os participantes consideram que a riqueza individual é mais justa e merecida do que a do grupo de 1% dos mais ricos do mundo. “As pessoas no nosso estudo ficavam claramente mais chateadas pela riqueza dos sete indivíduos juntos na fotografia da capa do que por aqueles que apareciam individualmente”, resumiu Jesse Walker. Ainda mais revelador é o facto de os participantes que viram a capa com os sete milionários apoiarem mais aplicação de impostos progressivos à riqueza face aos que viram a capa apenas com um único indivíduo.

Esta tendência também sugere que a forma como se apresenta a problemática da distribuição desigual da riqueza influência o pensamento das pessoas no que concerne a maneiras de a solucionar. Para comprovar também esta premissa, os investigadores avançaram para um terceiro estudo.

Neste caso, foi apresentado aos participantes o história de um ator de Bollywood, nascido no seio de uma família famosa com ligações à indústria cinematográfica. Metade dos inquiridos tiveram conhecimento do percurso da família, ao passo que a outra metade permaneceu “às escuras” sobre esta matéria. Uma das conclusões a que os investigadores chegaram foi a de que apenas os participantes que conheciam o contexto da ascensão do ator apoiavam que lhe fossem cobrados impostos mais altos.

“Se queres mudar o sistema, é preciso levar a que as pessoas pensem de maneira sistémica”, explicou o psicólogo Thomas Gilovich, da Cornell University, à Science Alert. No entanto, isto nem sempre é possível, sobretudo num ambiente jornalístico em que a história de um indivíduo é, regra geral, centro de atenção mediática e da discussão. Na realidade, os artigos tendem a priorizar a história de um indivíduo mesmo quando o assunto que se quer retratar é um coletivo. Como tal, a abordagem pode ajudar a moldar a opinião dos indivíduos e impedir que se avancem com políticas destinadas a diminuir as desigualdades económicas.

Os autores dos estudos argumentam que é por este motivo que termos como “os 1%” ou os “super ricos” — utilizados muito na sociedade norte-americana — conseguem originar contestações tão acesas. De facto, a centralização de protagonistas leva as pessoas a refletir mais sobre as vantagens, as quais alguns consideram injustas, do sistema. “Quando se se pensa nos “ricos” ou no “1%”, a mente viaja para atribuições situacionais muito mais rapidamente”, explica Gilovich. “Pensamos no sistema a ser manipulado, nos privilégios que os ricos têm, e por isso estamos muito mais dispostos a apoiar, por exemplo, um imposto progressivo para lidar com a crescente desigualdade de rendimentos”.

ZAP //

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