Cientistas identificam a proteína que nos torna humanos

ZAP // Dall-E-2

O que nos torna realmente humanos? Segundos os neurobiologistas, a resposta está no neocórtex.

É no neocórtex, a camada externa do cérebro, que estão os neurónios responsáveis por todas as capacidades exclusivas do ser humano, tais como pensar de forma abstrata, criar arte nas suas mais variadas formas e até falar em diferentes línguas.

No entanto, não se percebe muito bem porque é que o neocórtex dos seres humanos se desenvolveu neste sentido.

Porque é que os outros mamíferos não tiveram a mesma sorte? O que é que o neocórtex dos seres humanos tinha de tão especial para ser o único a desenvolver-se?

As respostas a estas questões podem estar perto de ser conhecidas.

Mareike Albert, investigador da Universidade de Tecnologia de Dresden, admite ter identificado o fator que contribuiu para a expansão do neocórtex em humanos.

O neocórtex é uma camada externa do cérebro, que se dobra sobre si própria e se assemelha a uma noz. É responsável por funções cognitivas superiores, como o pensamento abstrato, arte e linguagem.

“O neocórtex é a parte do cérebro que mais evoluiu”, explica Mareike Albert, autor principal do estudo, publicado no The EMBO Journal.

Todos os mamíferos têm um neocórtex, mas este varia em tamanho e complexidade. O neocórtex dos humanos e primatas têm dobras, enquanto que o dos ratos, por exemplo, é completamente liso”, acrescenta Albert.

Ora quantas mais dobras o neocórtex tiver, maior será a sua área de superfície. Por conseguinte, numa maior área, poderão existir um maior número de neurónios que poderão, por sua vez, suportar funções cognitivas mais complexas. Ou seja, há uma relação direta entre o número de dobras do neocórtex e o grau de desenvolvimento cognitivo num determinado ser vivo.

Mas, a questão que a equipa de investigação de Dresden colocou vai muito mais além das simples dobras do neocórtex. Afinal, que genes é que são responsáveis pelas diferenças entre espécies no que toca ao tamanho do neocórtex? E que fatores em particular é que contribuíram para a expansão do cérebro humano?

Responder a estas questões é crucial não só para compreender o desenvolvimento do cérebro humano, mas também para conseguir dar resposta aos diversos distúrbios relacionados com a saúde mental.

Neste sentido, o grupo de investigação liderado por Albert começou por comparar cérebros em desenvolvimento de ratinhos e humanos. “As células estaminais de ratinhos não se dividem tanto e não produzem tantos neurónios como os primatas. Já os humanos, por outro lado, têm um elevado número de células estaminais no cérebro em desenvolvimento”, explica Albert.

“Graças à investigação galardoada com o Prémio Nobel em 2012, é possível transformar qualquer célula numa célula estaminal. E essa célula pode ser, por sua vez, transformada num tecido tridimensional, que se assemelha a um órgão como o cérebro, por exemplo. As células estaminais, permitem-nos, portanto, estudar o desenvolvimento e as doenças diretamente nos tecidos humanos”, explica Albert.

Epiregulina

Na sua investigaçãi, os cientistas encontraram um fator específico que está presente em humanos, mas não em ratinhos.

Através de uma tecnologia de cultura celular 3D, o grupo de investigação testou se o fator recém identificado poderia influenciar a expansão do neocórtex.

Estas culturas, também conhecidas como organoides cerebrais, não se assemelham visualmente a um cérebro, mas imitam a complexidade celular de um cérebro em desenvolvimento.

“A maioria dos tipos de células do cérebro em desenvolvimento estão presentes nesta fase. Elas interagem entre si, emitem sinalizações e organizam-se de forma muito semelhante à de um cérebro humano real”, clarifica o autor do estudo.

Através da utilização de organoides cerebrais 3D, o grupo de investigação conseguiu demonstrar que existe um fator de crescimento, a epiregulina, uma proteína que nos humanos é codificada pelo gene EREG, responsável por promover a divisão e expansão das células estaminais do cérebro em desenvolvimento.

“Conseguimos concluir que a epiregulina impulsiona a expansão das células estaminais neocorticais humanas. Numa primeira fase identificamos o gene que codifica a epiregulina e depois rastreamo-lo na sua árvore evolutiva”, explica Paula Cubillos, autora do estudo.

O gene da epiregulina não é, no entanto, exclusivo dos seres humanos, uma vez que também existe noutras espécies, como em ratinhos.

“No entanto, a epiregulina não é produzida no cérebro de ratinhos em desenvolvimento, porque o gene está permanentemente desligado e, por isso, não é utilizado nesta fase”, afirma Cubillos, que ficou intrigada ao perceber que existiam diferenças significativas na forma como a epiregulina é regulada.

Numa segunda fase da investigação, os cientistas voltaram a usar novamente a tecnologia de cultura 3D, mas desta vez com células estaminais de gorila. “Os gorilas são espécies ameaçadas. Sabemos muito pouco sobre o desenvolvimento do seu cérebro”, afirma Albert.

Comparando o efeito da epiregulina nos organoides do cérebro humano e do gorila, a equipa de investigação descobriu que adicionar epiregulina aos organoides de gorila promove ainda mais a expansão das células estaminais.

No entanto, o mesmo efeito não acontece nos organoides do cérebro humano, provavelmente porque este já atingiu a sua capacidade máxima de expansão.

“Ao contrário dos fatores identificados anteriormente, a epiregulina não parece ser exclusiva dos seres humanos. Porém, a quantidade deste fator de crescimento parece ser o regulador crucial para as diferenças do neocórtex entre espécies”, conclui Albert.

Este estudo destaca não só a importância da compreensão da singularidade humana, como releva também a urgência de utilizar novas tecnologias, como os organoides cerebrais, já que estes são capazes de oferecer respostas robustas, de uma forma não invasiva e sem as questões éticas associadas à investigação animal.

Patrícia Carvalho, ZAP //

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