Uma via de comunicação recém-descoberta que liga centros nervosos distantes no cérebro e no crânio, e no corpo em geral, pode constituir um novo alvo para travar a dor da enxaqueca.
Há muito que os investigadores tentam determinar onde começam as enxaquecas no cérebro e como estas dores de cabeça unilaterais e nauseabundas induzem a dor e outros sintomas, como os vómitos.
Compreender este facto ajudaria a encontrar novas formas de prevenir a ocorrência de enxaquecas ou, pelo menos, de aliviar a dor aguda quando esta começa.
Para um terço das pessoas que sofrem de enxaquecas, estas são precedidas de uma aura, uma luz cintilante ou uma visão turva que é prenunciada por uma onda de atividade cerebral anormal que se espalha pelo córtex, a camada exterior do cérebro.
Mas a forma como esta atividade no interior do cérebro afeta os recetores dos neurónios sensíveis à dor no exterior tem permanecido um pouco confusa.
O cérebro é envolvido por uma camada protetora, a barreira hemato-encefálica, que mantém substâncias potencialmente nocivas e agentes patogénicos fora do Sistema Nervoso Central (SNC). A medula espinal também tem o seu próprio casulo, que impede a passagem de grandes moléculas.
O gânglio do trigémeo é um dos principais centros nervosos que liga o SNC a todos os nervos fora dele – o sistema nervoso periférico. Já implicado em enxaquecas e dores de cabeça, este conjunto de nervos em forma de feijão está localizado na base do crânio e transmite informações sensoriais da face e dos maxilares para o cérebro.
Os investigadores pensavam anteriormente que o gânglio trigémeo se situava fora da barreira hemato-encefálica, o que convenientemente significava que poderia ser um alvo mais fácil para os medicamentos, como os inibidores de CGRP, um novo tipo promissor de terapia para a enxaqueca.
No entanto, este posicionamento implicava que o gânglio trigeminal não estava exposto ao líquido cefalorraquidiano (LCR) que banha o cérebro e a espinal medula.
O novo estudo em ratinhos mostra exatamente o contrário: revelou que o LCR transporta moléculas de sinalização diretamente para as células do gânglio trigeminal, contornando uma via mais lenta e conhecida através das meninges, uma membrana de três camadas que envolve o cérebro e a medula espinal.
Os resultados do estudo foram apresentados num artigo publicado no início do mês na revista Science.
“Identificamos uma via de comunicação entre o sistema nervoso central e o periférico que pode explicar a relação entre a aura de enxaqueca e a dor de cabeça”, explica o biólogo Martin Kaag Rasmussen, investigador da Universidade de Copenhaga e primeiro autor do artigo, citado pelo Science Alert.
Numa série de experiências de imagiologia em tempo real, os investigadores seguiram o fluxo do líquido cefalorraquidiano desde o córtex visual do cérebro, o local mais comum da aura de enxaqueca, até ao gânglio trigémeo dos ratos.
O fluido entrou rapidamente na raiz do gânglio trigémeo, que, segundo dissecções posteriores, não possui uma bainha bem fechada que impede as moléculas dissolvidas de penetrarem nos nervos trigémeos ao longo dos seus corpos delgados.
Além disso, as moléculas dissolvidas no LCR de um hemisfério do córtex fluíam principalmente para o gânglio trigémeo do mesmo lado da cabeça, o que poderia explicar porque é que as enxaquecas tendem a ser unilaterais.
Rasmussen e os colegas descobriram também que o conteúdo do LCR dos animais era alterado após uma aura: continha CGRP, peptídeo relacionado com o gene da calcitonina, e outras moléculas libertadas do córtex após a passagem de uma onda de atividade cerebral anormal, sendo que essas moléculas activavam os nervos do gânglio trigémeo.
“As nossas observações indicam que a absorção do LCR pelo trigémeo provoca a dor de cabeça imediata da enxaqueca”, explica Rasmussen.
“No entanto, também descobrimos que a composição do LCR se normaliza rapidamente, sugerindo que outros processos podem causar dor de cabeça em fases posteriores”, acrescenta o biólogo dinamarquês.
Existem algumas diferenças óbvias entre ratos, humanos, os seus cérebros e as suas respetivas enxaquecas.
Ainda assim, os investigadores esperam que a identificação desta nova via de sinalização possa permitir a descoberta de novos medicamentos, para benefício da grande parte dos doentes que não respondem bem às terapias atualmente disponíveis.