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O que nos diz a “Chave dos Profetas”, o manuscrito do Padre António Vieira que esteve desaparecido durante 300 anos?

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Padre António Vieira

O que diz o manuscrito original da “Clavis Prophetarum”, do Padre António Vieira? A obra foi recentemente encontrada por investigadores portugueses.

O manuscrito original da obra “Clavis Prophetarum(A Chave dos Profetas”), da autoria do Padre António Vieira, estava desaparecido há 300 anos e muitos questionavam até a sua existência.

Isto até que dois investigadores portugueses descobriram o manuscrito na Biblioteca Gregoriana, em Roma, na semana passada. Os autores da descoberta foram Ana Travassos Valdez, investigadora principal do Centro de História da Universidade de Lisboa e Arnaldo do Espírito Santo, professor emérito da Faculdade de Letras.

O documento está há várias décadas no arquivo da universidade, mas tinha sido descartado como uma cópia de má qualidade. No entanto, depois de feitos todos os testes e verificações, confirmou-se a autenticidade do manuscrito.

A obra era vista pelo próprio Padre António Vieira como a sua magnum opus. É um texto de interpretação dos livros de David e do Apocalipse, da Bíblia, que ocupou vários anos da vida do orador português da Companhia de Jesus.

O padre António Maria Bonnucci, que assistia Vieira para concluir este tratado profético, escreveu poucos dias antes da morte do autor que a obra poderia ficar pronta no ano seguinte. Depois do falecimento de António Vieira, ele ficou encarregado de acabar a obra, mas acabou por nunca o fazer.

Até agora, a cópia mais antiga que se conhecia da “Clavis Prophetarum” era a que tinha sido perdida um ano depois da morte de Padre António Vieira, escreve o Observador. Conhecida como “MS. Casanatense 706”, foi feita em 1698 pela mão de Bonnucci.

Para tal, Bonnucci teve de abrir uma caixa onde tinham sido encerrados todos os papéis de Vieira após a sua morte. A razão pela qual os manuscritos do Padre António Vieira foram colocados num baú não é conhecida.

“Se calhar tinha coisas mais ou menos heréticas, coisas mais suspeitas”, sugeriu Arnaldo do Espírito Santo ao Observador. “Ou então não, eram simplesmente os papéis de um grande homem”.

O documento chegou à Europa em 1699, tendo sido entregue à Inquisição em Roma, que riscou e cortou pedaços da cópia da obra, tendo-se perdido parte substancial do texto.

“Alguns dos revisores escreveram uma anti-censura a dizer que não estavam de acordo e que não havia heresia. Dentro da Inquisição, pelo menos em Roma, já havia opiniões diferentes”, salientou Ana Valdez. “A decisão não foi unânime e transparece”.

“Estamos a pensar num Vieira que tinha sido condenado pela Inquisição portuguesa e que teve de ir a Roma pedir uma escusa. Era uma personagem polémica”, acrescentou.

António Vieira foi condenado por um conjunto de manuscritos sebastianistas — “Quinto Império”, “História do Futuro” e “Chave dos Profetas” — e ficou recluso entre outubro de 1665 e dezembro de 1667. No dia 30 de junho de 1668, recebeu o perdão das penas.

Mais tarde, em 1714, foi elaborado um resumo da obra pelo padre Carlos António Casnedi.

O que diz a obra?

A descoberta foi apresentada esta segunda-feira, numa emissão em direto, que contou com a presença dos investigadores portugueses.

Na apresentação foram desvendadas imagens do manuscrito, que foi redigido em latim, ao longo de 324 folhas desiguais.

António Vieira escrevia que os ameríndios viviam numa “ignorância invencível”, tanto de Deus como do direito natural, circunstância essa que os livrava do eterno castigo do inferno.

Julgava ainda que a Terra Santa deveria ser restituída aos judeus e que a reconstrução do Templo de Jerusalém deveria ser permitida, para que pudessem oferecer os seus sacrifícios e praticar os seus ritos, apesar da sua conversão ao catolicismo.

“É uma peça diferente. Estamos convencidos que vai dar muito para falar”, disse Arnaldo do Espírito Santo ao Observador.

A “Clavis Prophetarum” pertence ao género da apocalíptica, em que, ao contrário do que se pensa, não prevê a destruição do mundo, mas o aparecimento de um novo mundo, mais perfeito.

Nesta obra, o Padre António Vieira procurou oferecer uma “chave” interpretativa para o Livro do Apocalipse e o Livro de Daniel, da Bíblia, tentando perceber quando é que o reino prometido ia surgir.

António Vieira acreditava que, depois dos impérios liderados por Nabucodonosor (da Babilónia ou dos Assírios), por Ciro (da Pérsia), por Péricles (da Grécia) e por César (de Roma), chegaria o Império Universal Cristão, o Quinto Império, liderado pelo Rei de Portugal.

Segundo Arnaldo do Espírito Santo, a obra “tem uma proposta de felicidade para as pessoas, de paz, de concórdia entre os povos”. Sem esquecer os sermões, que “são obras de um brilhantismo barroco enorme”, o investigador reforça a importância da ‘Clavis’, em que “há outros aspetos que se calhar são mais atuais”.

A análise dos investigadores já permitiu perceber que foram usados dois tipos de cola, a de trigo e a de mandioca. Os cientistas vão também tentar perceber se o manuscrito andou muito tempo embarcado.

Daniel Costa, ZAP //

2 Comments

  1. No artigo “O que diz o Manuscrito original de A Chave dos Profetas do Padre António Vieira… “, obra inédita traduzida do latim unicamente pelo Professor António Guimarães Pinto, é confrangedor verificar o quão certas pessoas são indignas por não terem mencionado acima dos seus próprios nomes e pequenos feitos, o Senhor Professor António Guimarães Pinto.
    Deixo-vos esta notificação para que seja reposta a verdade.
    Infelizmente no nosso país há pessoas que se vangloriam de obras que não são especialmente suas.

  2. Já agora também podiam descobrir a “Peregrinação” original do Fernão Mendes Pinto, a censura cortou o livro todo

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