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“Céu na Terra”. Grupo de magnatas de Silicon Valley quer criar uma utopia cristã

Vários grandes investidores de Silicon Valley querem aliar a tecnologia à religião e estão a redefinir a cultura nas empresas da big tech.

Uma rede crescente de investidores magnatas da tecnologia em Silicon Valley está a promover uma nova visão moral para a indústria.

Este movimento, liderado por figuras de destaque como Trae Stephens, sócio do Founders Fund e cofundador da empresa de defesa Anduril, pretende priorizar os valores cristãos e as tradições culturais ocidentais em detrimento da acumulação de riqueza e está a ganhar força entre as elites tecnológicas.

Num evento na semana passada em São Francisco, realizado numa antiga igreja, Stephens descreveu a ideia como a busca de “boas missões”, ou carreiras que contribuam significativamente para o futuro.

Sou literalmente um traficante de armas”, gracejou, arrancando gargalhadas da audiência de cerca de 200 pessoas, incluindo o diretor executivo da Y Combinator, Garry Tan. “Não acho que todos vocês devam ser traficantes de armas, mas essa é uma vocação muito especial”.

O evento fez parte de uma série organizada pelo ACTS 17 Collective, uma organização sem fins lucrativos fundada em 2023 por Michelle Stephens, esposa de Trae e executiva de startups de saúde. A missão do grupo é “redefinir o sucesso para aqueles que definem a cultura”, mudando o foco de Silicon Valley de dinheiro e poder para a realização espiritual.

Na opinião de Michelle, muitos trabalhadores do setor tecnológico sentem-se insatisfeitos com os indicadores tradicionais de sucesso. Em vez disso, o ACTS 17 incentiva a definição de sucesso através do amor a Deus, a si próprio e aos outros.

Os encontros – abertos a pessoas de todas as religiões, incluindo ateus – misturam o networking do Silicon Valley com a reflexão religiosa. Um encontro recente contou com barmans a servir cerveja e vinho, um DJ a tocar batidas ligeiras de adoração e folhetos de oração nas mesas, refere a Wired.

A inspiração para o ACTS 17 surgiu durante uma festa de aniversário de três dias para Trae, em novembro de 2023, onde o investidor bilionário Peter Thiel conduziu uma discussão sobre milagres e perdão. A conversa intrigou os convidados, levando a questões mais profundas sobre fé e trabalho.

“As pessoas diziam coisas como: ‘Não sabia que o Peter era cristão‘, ‘Como é que se pode ser gay e bilionário e ser cristão?’ e ‘Não sabia que se podia ser inteligente e cristão’”, recorda Michelle.

A “boa missão” contra a “crise de absurdo”

No evento, Trae Stephens fez eco das opiniões de Thiel sobre tecnologia e cristianismo, argumentando que todo o trabalho – mesmo fora da igreja – pode ser sagrado. Com base no líder da Reforma Protestante Martinho Lutero, Stephens afirmou: “Os papéis para os quais somos chamados são fundamentais para cumprir a ordem de Deus de trazer o seu reino para a Terra”.

Esta crença é fundamental para o conceito de “boas missões”, que Stephens apresentou pela primeira vez num artigo de 2022 escrito em conjunto com o empresário Markie Wagner. Os dois argumentaram que Silicon Valley estava no meio de uma “crise de absurdos”, onde as pessoas desperdiçam talentos em atividades triviais, como construir mercados NFT ou reformar-se aos 35 anos.

Stephens utilizou a estrutura da “boa missão” para explicar por que razão recusou uma oportunidade de servir como secretário da Defesa dos EUA durante o governo de Donald Trump. “Poucas coisas na vida devem ser capazes de nos afastar do nosso ‘sim’ ou da nossa boa missão”, disse. “Acho que a razão do meu ‘não’ foi entender o que era o meu ‘sim’”.

A sua perspetiva alinha-se com a de Alex Karp, CEO da Palantir, que recentemente criticou a crise moral da tecnologia, lamentando que vastos recursos sejam desperdiçados em “aplicações de partilha de fotografias” em vez de na busca pela resolução dos maiores desafios da sociedade. Karp sugeriu a reconstrução dos EUA como uma “república tecnológica” — uma visão que provavelmente inclui as ferramentas governamentais orientadas para a IA da Palantir.

Os esforços parecem estar a surgir efeito. “Trabalho em Silicon Valley desde 2005 e a minha impressão inicial foi que era anti-Valley falar de religião e sistemas de crenças”, disse o empresário e investidor Nate Williams, que participou no evento. “Mas agora está a tornar-se mais normalizado usá-lo na manga”.

ZAP //

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