Mulheres cegas ajudam a detetar cancro da mama na Índia

Priti Salian / BBC

Mulheres cegas são treinadas para detetar pequenos caroços nos seios que podem passar despercebidos à maioria dos médicos.

Numa sala vazia de uma remota unidade de saúde mantida pelo governo na cidade de Vapi, no Estado de Gujarat, Meenakshi Gupta segura o diagrama do seio de uma mulher com cinco fitas de orientação com escrita em Braille coladas sobre ele.

Falando para a mulher sentada sobre a cama, ela diz: “Vou colar no seio estas fitas inofensivas para a pele e usar a ponta dos meus dedos para verificar se há alguma anormalidade”.

Gupta pede à mulher que retire a parte de cima das roupas, aplica um desinfetante nas mãos e começa o exame de rotina.

Ela divide o peito em quatro regiões com as fitas e passa 30 a 40 minutos a apalpar cada centímetro da mama, com pressão variável, antes de documentar as descobertas no computador. E, em conjunto com o histórico médico da paciente, Gupta irá enviar suas conclusões para um médico diagnosticar eventuais anormalidades e recomendar outras avaliações.

Gupta é uma examinadora médica tátil (MTE, na sigla em inglês) de Nova Deli, a capital indiana. Trata-se de uma nova profissão em crescimento para mulheres cegas e com dificuldades de visão na Índia e na Europa.

Cega de nascença, Gupta passou nove meses a ser treinada em exames táteis da mama, uma forma especializada de exame clínico. A cegueira de Gupta não prejudica o seu trabalho — pelo contrário, ela ajuda, e muito.

As origens

Estudos já comprovaram que, na ausência de informações visuais, o cérebro das pessoas cegas pode desenvolver maior sensibilidade de audição, tato e outros sentidos e funções cognitivas.

O ginecologista alemão Frank Hoffmann foi quem desenvolveu a ideia das MTEs. Ele descobriu que, durante os seus extensos exames, as MTEs podem detetar caroços com até 6 a 8 mm.

E, segundo o seu estudo ainda não publicado, estas dimensões são menores que os caroços de 10 a 20 mm que muitos médicos sem dificuldades visuais conseguem encontrar durante os seus exames.

Na Índia, 18 MTEs foram treinadas desde 2017. Algumas delas trabalham atualmente em hospitais de Nova Deli e de Bangalore, no sul do país.

Outras são contratadas pela Associação Nacional do Centro da Índia para Mulheres Cegas e Estudos sobre Deficiências (NABCBW, na sigla em inglês), uma organização sem fins lucrativos de Nova Deli que também oferece treino.

Mas a prática de treinar MTEs é anterior à prática indiana. Ela remonta às preocupações de Hoffmann sobre a sua própria capacidade de detetar tumores.

“Sempre me preocupei porque, como ginecologista, eu não tinha tempo suficiente para os exames da mama e poderia deixar passar caroços minúsculos”, conta.

Muitos médicos têm pouco tempo para fazer exames de 30 a 40 minutos, mas ele imaginou que um profissional técnico treinado, com sentido táctil aprimorado, poderia ser ideal para o trabalho.

Em 2010, a ideia de Hoffmann levou à criação da Discovering Hands, uma empresa social com sede em Mülheim, na Alemanha. Ela treina mulheres cegas e com dificuldades de visão para trabalhar como MTEs.

O primeiro estudo revisto por pares a investigar a viabilidade da técnica demonstrou que as descobertas das MTEs são similares às dos médicos.

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