“Cauda de gato” poeirenta descoberta a 63 anos-luz da Terra

Webb detetou estrutura nunca antes vista que se estende da parte sudoeste do disco de detritos secundário. É mais quente do que o disco principal e pode levar a mais estudos, uma vez que ainda não se conhece a sua origem.

Beta Pictoris, um jovem sistema planetário situado a apenas 63 anos-luz de distância, continua a intrigar os cientistas mesmo após décadas de estudo aprofundado. Possui o primeiro disco de poeira fotografado em torno de outra estrela — um disco de detritos produzido por colisões entre asteroides, cometas e planetesimais.

Observações do Telescópio Espacial Hubble da NASA revelaram um segundo disco de detritos neste sistema, inclinado em relação ao disco mencionado anteriormente. Agora, uma equipa de astrónomos utilizou o Telescópio Espacial James Webb da NASA para obter imagens do sistema Beta Pictoris (Beta Pic) e descobriu uma nova estrutura nunca antes vista.

A equipa, liderada por Isabel Rebollido do Centro de Astrobiologia em Espanha, utilizou os instrumentos NIRCam (Near-Infrared Camera) e MIRI (Mid-Infrared Instrument) do Webb para investigar a composição dos dois discos de detritos de Beta Pic. Os resultados excederam as suas expetativas, revelando um “ramo” de poeira fortemente inclinado, com o aspeto de uma cauda de gato, que se estende da parte sudoeste do disco de detritos secundário.

“Beta Pictoris é o disco de detritos que tem tudo: tem uma estrela muito brilhante e próxima, que podemos estudar muito bem, e um ambiente circunstelar complexo com um disco multicomponente, exocometas e dois exoplanetas fotografados,” disse Rebollido, autora principal do estudo.

“Apesar da existência de anteriores observações terrestres, nesta gama de comprimentos de onda, não tinham a sensibilidade e a resolução espacial que temos agora com o Telescópio Espacial Webb, pelo que não detetaram esta característica.”

O retrato de uma estrela, melhorado com o Webb

Mesmo com o Webb, foi crucial observar Beta Pic na gama correta de comprimentos de onda — neste caso, o infravermelho médio — para assim detetar a “cauda de gato”, uma vez que esta só apareceu nos dados do MIRI. Os dados no infravermelho médio, obtidos pelo Webb, também revelaram diferenças de temperatura entre os dois discos de Beta Pic, o que provavelmente se deve a diferenças de composição.

“Não esperávamos que o Webb revelasse que existem dois tipos diferentes de material à volta de Beta Pic, mas o MIRI mostrou-nos claramente que o material do disco secundário e da ‘cauda de gato’ é mais quente do que o do disco principal,” disse Christopher Stark, coautor do estudo no Centro de Voo Espacial Goddard da NASA em Greenbelt, Maryland, EUA.

“A poeira que forma o disco e a cauda deve ser muito escura, por isso não a vemos facilmente nos comprimentos de onda visíveis — mas, no infravermelho médio, brilha”, explicou.

Para explicar a temperatura mais quente, a equipa deduziu que a poeira pode ser um “material orgânico refratário” altamente poroso, semelhante à matéria encontrada nas superfícies dos cometas e asteroides do nosso Sistema Solar.

Por exemplo, uma análise preliminar do material recolhido do asteroide Bennu pela missão OSIRIS-REx da NASA revelou que era muito escuro e rico em carbono, bastante semelhante ao que o MIRI detetou em Beta Pic.

NASA, ESA, CSA, STScI, C. Stark e K. Lawson (Centro de Voo Espacial Goddard da NASA), J. Kammerer (ESO), e M. Perrin (STScI)

Imagem obtida pelo instrumento MIRI (Mid-Infrared Instrument) do Webb mostra o sistema estelar Beta Pictoris. Um disco de detritos poeirentos criados por colisões entre planetesimais (laranja) domina a vista. Um disco secundário mais quente (ciano) está inclinado cerca de 5 graus em relação ao disco primário. A característica curva à direita, que a equipa científica apelidou de “cauda de gato”, nunca tinha sido vista antes. Foi usado um coronógrafo (círculo preto e dois pequenos discos) para bloquear a luz da estrela central, cuja localização está marcada com uma estrela branca. Nesta imagem, a luz a 15,5 micrómetros é colorida a ciano e a 23 micrómetros é cor de laranja (filtros F1550C e F2300C, respetivamente).

A “cauda de gato” merece estudos futuros

No entanto, uma grande questão permanece em aberto: o que poderia explicar a forma da cauda de gato, uma característica curvada única, diferente da que se vê em discos à volta de outras estrelas?

Rebollido e a sua equipa modelaram vários cenários na tentativa de emular a “cauda de gato” e desvendar as suas origens. Embora sejam necessários mais estudos e testes, a equipa apresenta uma forte hipótese de que a “cauda de gato” é o resultado de um evento de produção de poeira que ocorreu há apenas cem anos.

“Algo acontece — como uma colisão — e é produzida muita poeira”, partilhou Marshall Perrin, coautor do estudo no STScI (Space Telescope Science Institute) em Baltimore, Maryland. “Ao início, a poeira segue na mesma direção orbital da sua fonte, mas depois começa a espalhar-se. A luz da estrela empurra mais rapidamente as partículas de poeira mais pequenas e ‘fofas’ para longe da estrela, enquanto os grãos maiores não se movem tanto, criando uma longa gavinha de poeira.”

“A característica em forma de cauda de gato é muito invulgar, de modo que foi difícil a reprodução da curvatura com um modelo dinâmico”, explicou Stark. “O nosso modelo requer poeira que pode ser empurrada para fora do sistema muito rapidamente, o que sugere novamente que é feita de material orgânico refratário.”

O modelo preferido da equipa explica o ângulo acentuado da cauda em relação ao disco como uma simples ilusão de ótica. A nossa perspetiva, combinada com a forma curva da cauda, cria o seu ângulo observado quando, de facto, o arco de material apenas se afasta do disco com uma inclinação de cinco graus.

Tendo em conta o brilho da cauda, a equipa estima que a quantidade de poeira no interior da “cauda de gato” é equivalente à de um grande asteroide da nossa cintura principal, espalhada por 16 mil milhões de quilómetros.

Um recente evento de produção de poeira, no interior dos discos de detritos de Beta Pictoris, também poderia explicar uma extensão assimétrica recentemente observada do disco interno inclinado, como visto nos dados do MIRI e observado apenas no lado oposto da cauda.

A recente produção de poeira por colisão também poderia explicar uma característica previamente detetada pelo ALMA (Atacama Large Millimeter/submillimeter Array) em 2014: um aglomerado de monóxido de carbono (CO) localizado perto da “cauda de gato”. Uma vez que a radiação da estrela deve decompor o CO em cerca de cem anos, esta concentração de gás ainda presente pode ser uma evidência persistente do mesmo evento.

“A nossa investigação sugere que o sistema Beta Pic pode ser ainda mais ativo e caótico do que pensávamos anteriormente,” disse Stark. “O Telescópio Webb continua a surpreender-nos, mesmo quando olha para os objetos mais bem estudados. Temos uma janela completamente nova para estes sistemas planetários”.

Estes resultados foram apresentados numa conferência de imprensa do 243.º encontro da Sociedade Astronómica Americana em Nova Orleães, Louisiana.

// CCVAlg

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