Catástrofe natural num “lago assassino” fez 1746 mortos numa trágica noite de verão

OpenStax / Wikipedia

Lago Nyos, nos Camarões

Há quase 40 anos, uma catástrofe natural matou de um dia para o outro quase 2000 pessoas e milhares de animais. O que transformou um lago aparentemente pacífico em algo extremamente mortífero?

Há cerca de 400 anos, uma erupção vulcânica levou à formação do que parecia ser um pacífico lago — que assim se manteve durante séculos.

O lago, de nome Nyos, ou Lwi, como também é chamado, está localizado muito perto do Monte Oku, no noroeste dos Camarões. Ao todo, tem uma área de 1,58 km2 e uma profundidade máxima de 208 metros.

Pois este pequeno lago camaronês foi, há quase 40 anos, palco de uma das mais importantes catástrofes naturais da história recente do continente africano e, sem dúvida, a mais misteriosa de que há registo até hoje.

A tragédia ocorreu a 21 de agosto de 1986 e custou a vida a 1746 pessoas e a cerca de 3500 animais de criação.

“Por volta das 23 horas, acordei e não conseguia levantar-me. Estava muito confuso”, contou um dos sobreviventes à BBC. “Na manhã seguinte, acordei e vi dezenas de pessoas deitadas na rua”.

A maior parte delas estava morta. De facto, os únicos animais que sobreviveram à catástrofe foram as rãs que viviam nas águas enganadoramente tranquilas do Nyos.

A incapacidade de explicar o que tinha acontecido levou os Camarões a avançarem com hipóteses absurdas, como a de que as mortes tinham sido causadas por um ataque terrorista.

No entanto, os cientistas tinham outras teorias, e deslocaram-se à zona para tentar prová-las — uma investigação que durou anos e que foi recordada esta semana pela física e meteorologista espanhola Mar Gómez no seu perfil no X/Twitter.

A calma aparente do Lago Nyos é, na verdade, enganadora, porque sob a sua superfície há significativa atividade sísmica.

Além disso, explica Mar Gómez, o lago tem uma bacia muito profunda,com paredes íngremes, pelo que os ventos que sopram sobre a sua superfície não criam turbulência, nem misturam as camadas de água do lago — que podem manter-se inalteradas durante séculos.

Há no mundo muitos lagos com características semelhantes. No entanto, nem todos estão situados numa fonte vulcânica, como é o caso do Nyos.

Ao longo dos anos, décadas e séculos, o dióxido de carbono vazou da sua bacia, acumulando-se e concentrando-se sob a sua superfície.

Em 21 de agosto de 1986, alguma coisa provocou uma erupção límnica — um tipo raro de desastre natural no qual o monóxido de carbono e o dióxido de carbono  contidos no interior de lagos de origem vulcânica, irrompem subitamente das suas águas profundas, formando uma nuvem de gás.

Ainda não se sabe ao certo o que provocou a erupção límnica do Lago Nyos, que trouxe à superfície os gases dissolvidos no lago, libertando-os para a atmosfera numa nuvem com uma concentração letal de CO₂ — que foi responsável pelas mortes de milhares de pessoas e animais.

Pode ter sido um deslizamento de terras, um pequeno terramoto, a chuva…. Há muitas, muitas possibilidades, mas não se sabe com certeza absoluta. Em todo o caso, nessa noite, a nuvem de gás letal foi libertada”, conta Mar Gómez, que é também autora do podcast Planeta Oculto.

As investigações sobre o fenómeno permitiram determinar que o lago libertou apenas 2% do CO₂ dissolvido na água, o que significa que há uma probabilidade elevada de que uma catástrofe semelhante possa voltar a acontecer.

Não são ainda conhecidos os fatores que levam os lagos de origem vulcânica a “explodir” e libertar os gases neles dissolvidos, mas sabe-se que os lagos com atividade límnica têm algumas características comuns: água saturada com CO₂, temperaturas baixas no fundo (que indicam ausência de interação direta com atividade vulcânica) e camadas de água com diferentes saturações de CO₂.

vários lagos no mundo com estas características. É o caso, por exemplo, do lago Lago Monoun, também nos Camarões, e doLago Kivu, na fronteira entre o Ruanda e a República Democrática do Congo.

No entanto, realça Mar Gómez, se houvesse uma erupção límnica no Lago Kivu e as suas águas libertassem também o seu CO₂, a nuvem tóxica produzida teria consequências muito mais catastróficas do que o evento do Nyos, por dois motivos: o Kivu é 1.700 vezes maior, e vivem na região dois milhões de pessoas.

Felizmente, em Portugal não há lagos limnicamente ativos. Os Açores, região de origem vulcânica, têm inúmeros lagos em caldeiras vulcânicas, mas estes não têm  CO2 dissolvido em concentrações suficientes para apresentar riscos de erupção límnica.

ZAP //

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