O Tribunal da Relação do Porto nada viu de inconveniente na decisão de um casal de trocar o casamento por uma união de facto, sem sequer acordar responsabilidades parentais, apesar da oposição do Ministério Público, que suspeitava de algo ilícito.
“O divórcio por mútuo consentimento, em que as partes não são obrigadas a revelar o motivo que as levou à decisão, não implica forçosamente uma prévia rutura da vida em comum” e “pode ser decretado mesmo quando entre ambos permaneça uma situação de vida em comum, bastando que a vontade convergente dos dois seja no sentido do divórcio”, considera o Tribunal da Relação do Porto num acórdão consultado pela Lusa.
“Se duas pessoas que vivem em união de facto têm toda a liberdade para a qualquer momento converter o seu relacionamento afetivo em casamento, por que não conceder a possibilidade inversa a quem esteja casado de transformar o seu relacionamento afetivo em mera união de facto, descontratualizando-o, e recorrendo para tal efeito à figura do divórcio por mútuo consentimento?”, questiona ainda a Relação.
O Ministério Público discordou da homologação do divórcio, decidida na primeira instância judicial e confirmado na Relação do Porto, invocando nomeadamente o artigo 1775.º, n.º 1, alínea b) do Código Civil. O dispositivo impõe um acordo referente à regulação das responsabilidades parentais relativas aos filhos menores para se poder homologar um divórcio por mútuo consentimento.
Mas, contrapuseram os juízes desembargadores do Porto, “se os progenitores continuam a viver na mesma casa em união de facto e economia comum não há necessidade de proceder a tal regulação”.
O Ministério Público alegou ainda que quando duas pessoas casadas querem continuar a fazer vida de casadas, mas pretendem dissolver o vínculo conjugal, fazem-no “certamente” por razões patrimoniais e, muito comummente, “para se subtraírem a responsabilidades que de outro modo se manteriam”.
Em resposta, a Relação sublinha que os propósitos patrimoniais que o Ministério Público imputou às partes “não passam de meras conjeturas, sem qualquer indício de comprovação”.
De resto, afirma o tribunal de recurso, “se as partes queriam efetivamente fazer uso anormal do processo por motivos patrimoniais, para obstarem a uma eventual inviabilização da sua pretensão, ter-lhes-ia bastado cumprir as exigências que lhes foram feitas pelo Ministério Público, apresentando um acordo (esse sim, simulado) relativo à regulação das responsabilidades parentais atinentes à sua filha menor e omitindo qualquer referência à manutenção de uma economia comum e de uma situação de união de facto”.
O casal envolvido neste processo requereu o divórcio por mútuo consentimento, dispensando o acordo relativo à regulação das responsabilidades parentais porque, como disseram e repetiram, pretendiam viver em união de facto após a dissolução do casamento por divórcio.
Chamado a pronunciar-se, o Ministério Público deu parecer desfavorável ao divórcio e recorreu, sem sucesso, para a Relação do Porto da decisão da primeira instância judicial, que deu razão ao casal.
“Acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo Ministério Público e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida que decretou o divórcio por mútuo consentimento“, conclui o acórdão da Relação do Porto.
ZAP // Lusa