O nosso corpo está repleto de muco, e isto não se explica apenas pela chegada do outono. Um estudo recente demonstrou uma das inesperadas propriedades benéficas do muco: contém açúcares que controlam os germes potencialmente prejudiciais.
Katharina Ribbeck, investigadora do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, investiu mais de uma década da sua carreira a estudar a bioquímica do muco, um material muito pouco estudado que ocupa uma grande área do nosso corpo. Este gel lubrifica o esófago, reveste o estômago, ajuda o esperma a passar pelo colo do útero e protege os tecidos nasais.
Ribbeck e a sua equipa estudaram os compostos conhecidos como mucinas do muco, polímeros longos, ou cadeias moleculares, densamente cravejadas de açúcares. O artigo científico foi publicado no dia 14 de outubro na Nature Microbiology.
“Há muito tempo que o muco é considerado mau no público em geral, mas também na medicina”, disse Gunnar C. Hansson, que estuda compostos de mucina na Universidade de Gotemburgo, na Suécia, e não faz parte deste novo estudo. “Tanto o muco como a mucina são extremamente complexos.”
O filtro que retém e elimina micróbios, ou muco, não é totalmente preciso. “Adicionamos micróbios ao muco e vimos que eles não ficam presos”, adiantou Ribbeck. Nele, as bactérias nadam livremente, num estado que o cientista descreveu como “planctónico” – e isto é benéfico para o nosso sistema imunológico.
No entanto, como sabemos, nem todos os micróbios são prejudiciais. Aliás, temos inúmeros micróbios a crescer dentro e fora do nosso corpo. Os microrganismos que vivem no muco do trato digestivo, por exemplo, ajudam a processar os alimentos. É uma relação de troca: nós fornecemos casa aos micróbios e eles prestam-nos um determinado serviço.
O muco pode mesmo ser a casa onde os germes são domesticados, avança o ScienceAlert. Kelsey Wheeler, estudante de doutoramento no laboratório de Ribbeck e coautora do artigo, disse que pesquisas anteriores mostraram que as mucinas purificadas impediam vários tipos de micróbios potencialmente prejudiciais.
O novo estudo é o primeiro a “identificar que o componente glicano” – ou seja, os açúcares das mucinas – “responsável por suprimir comportamentos microbianos antagónicos”.
Para comprovar o poder do muco, os cientistas fizeram várias experiências. Numa delas, incorporaram micróbios em glóbulos de muco, o que Ribbeck chamou de “matriz tridimensional de muco”. Depois, cultivaram germes ao lado de células epiteliais humanas e açúcares de muco, e usaram os açúcares para curar queimaduras infetadas em porcos.
A equipa testou de que forma os açúcares interagiam com uma bactéria chamada Pseudomonas aeruginosa. O micróbio normalmente não causa doenças, excepto quando infecta pessoas com fibrose cística ou sistemas imunológicos comprometidos. O objetivo dos cientistas era saber se os açúcares funcionavam sozinhos. A bactéria reagiu aos açúcares, tornando-se menos infecciosa.
Os compostos de muco suprimiram várias vias genéticas nas bactérias, incluindo fatores relacionados à morte de outros micróbios, secreção de toxinas, comunicação célula-célula e formação de aglomerados. O açúcar no muco é “como pó de duende“, disse Ribbeck.
“Alterar a sua capacidade de causar infeções pode ser uma estratégia realmente potente”, rematou a cientista.