Jornalistas detidos e agredidos num total de 1133 detidos desde quarta-feira. As estações de televisão, sob ameaça, estão a “ignorar o momento” — e Erdogan a aproveitá-lo.
Com gás, balas de borracha e canhões de água blindados, a polícia turca continua a tentar dispersar manifestantes em grande escala esta segunda-feira por todo o país, numa altura em que Ekrem Imamoglu, apesar de estar atrás das grades, já foi oficializado pelo principal partido da oposição como candidato às eleições presidenciais na Turquia de 2028.
O autarca de Istambul, visto como o maior rival de Recep Tayyip Erdoğan, foi destituído do cargo e transferido para uma prisão este domingo depois de ter sido detido na quarta-feira passada, acusado de corrupção, o que desencadeou uma onda de protestos sem precedentes na Turquia desde o movimento que despoletou na Praça Taksim, em 2013.
Mais de mil detidos, entre os quais 10 jornalistas
Desde quarta-feira, realizaram-se manifestações em pelo menos 55 das 81 províncias do país. Este domingo, dezenas de milhares de pessoas voltaram a concentrar-se junto à Câmara Municipal de Istambul, onde se registaram vários confrontos entre manifestantes e a polícia.
A organização turca de defesa de direitos humanos MLSA denunciou esta segunda-feira que 10 jornalistas turcos foram detidos em Istambul e na cidade de Izmir. Ainda segundo a associação, mais de 20 jornalistas foram agredidos fisicamente pela polícia nos últimos dias.
O ministro da Administração Interna da Turquia, Ali Yerlikaya, disse à AFP esta segunda-feira que já foram detidas 1.133 pessoas desde o início dos protestos.
Contas da oposição suspensas, protestos “ignorados”
Se as autoridades turcas proibiram todas as concentrações na maior cidade do país até quarta-feira à noite, também algumas contas da oposição do país foram suspensas na rede social X de Elon Musk, que quando comprou a rede social prometeu maior liberdade de expressão.
A plataforma suspendeu desde o início da agitação várias contas ligadas a ativistas da oposição na Turquia, especialmente as de grupos ligados a universidades que partilham informações sobre os protestos e pormenores da mobilização popular, disse Yusuf Can, do Programa do Médio Oriente do Wilson Center, ao jornal Politico.
O ministro Ali Yerlikaya disse que as autoridades identificaram 326 contas nas redes sociais acusadas de incitar ao ódio, 72 das quais operadas a partir do estrangeiro. A base legal para estas ações reside numa lei turca de 2022 relativa aos meios de comunicação social, que dá ao governo poderes para suprimir conteúdos.
Este não é o primeiro caso em que o X limita o acesso à liberdade de expressão online na Turquia. Durante a campanha de reeleição de Erdoğan em 2023, o X restringiu certos conteúdos “para garantir que o Twitter permaneça disponível para o povo da Turquia”, de acordo com a equipa global de assuntos governamentais da plataforma. De acordo com os relatórios de transparência do X, a plataforma cumpriu cerca de 86% dos pedidos de remoção do governo turco no segundo semestre de 2024.
A oposição turca já começou a apelar ao boicote das estações de televisão (na sua maioria pró-governamental) que estão a “ignorar o momento” e a falhar na cobertura das manifestações. Segundo a Reuters, “os grandes canais do país mostraram poucas imagens das manifestações em todo o país”. No sábado, o organismo de vigilância da radiodifusão RTUK afirmou em publicação no X, que as estações que transmitissem a cobertura em direto dos protestos podem ver as suas licenças revogadas por emissões “tendenciosas”.
Erdogan a aproveitar o momento?
O atual presidente turco, acreditam os analistas, está a aproveitar-se do que parece ser uma tolerância global em relação à governação autocrática em crescimento.
“Há uma confluência muito especial de fatores que lhe facilitaram a tarefa em termos de não sofrer condenação ou punição internacional”, diz Monica Marks, professora de estudos do Médio Oriente na Universidade de Nova Iorque, ao The Guardian.
Com Trump a elogiar Erdoğan em entrevistas recentes e a manter relações estáveis e amigáveis, há menos receio de uma reação ocidental.
“Estou aqui. Tenho uma camisa branca vestida e não a vão poder sujar. O meu pulso é forte e não o vão conseguir torcer. Não vou recuar nem um milímetro. Vou ganhar esta guerra”, disse Imamoglu, invulgar candidato à presidência atrás das grades, em mensagem enviada através dos seus advogados.