O cancelamento da visita de Biden à Papua Nova Guiné pode sair-lhe caro. A China agradece

gageskidmore / Flickr

O Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden

O cancelamento da visita de Joe Biden é mais um sinal de que os Estados Unidos não priorizam as relações com as pequenas nações do Pacífico e pode aproximar os países ainda mais de Pequim.

Era suposto ser um momento histórico. Joe Biden tinha uma visita agendada à Papua Nova Guiné — a primeira vez que um chefe de Estado norte-americano pisaria um país insular do Pacífico —, a que se seguiria uma reunião na Austrália como os aliados da Quad, mas o evento foi cancelado mediante a ausência do Presidente dos Estados Unidos.

A Casa Branca anunciou esta terça-feira que Biden vai cortar a cimeira da sua visita à Ásia, para que possa regressar aos Estados Unidos logo após a reunião do G7 no Japão.

O motivo para o cancelamento é a crise interna causada pelo limite da dívida, que já foi atingido e ameaça mergulhar o país no incumprimento já a 1 de Junho. Biden quer voltar rapidamente para Washington para prosseguir as negociações com o Congresso para o aumento do limite do endividamento.

Este cancelamento significa que a política interna norte-americana está a fazer estragos na política externa, numa região que é o centro de um braço de ferro com a China. Há já analistas que acreditam que o recuo de Biden será interpretado pelas nações do pacífico como um sinal de que os Estados Unidos não são confiáveis, com a Pequim a mostrar-se como uma alternativa mais segura.

“Vai reforçar dúvidas persistentes sobre o poder de permanência dos EUA. E podem apostar que a China se vai aproveitar disto — a sua mensagem para os países na região será ‘vocês não podem contar com um país que nem sequer consegue cumprir as funções básicas de governo'”, explica Hal Brands, professor de Relações Internacionais na Universidade John Hopkins, ao New York Times.

Esta não é a primeira vez que as questões internas em Washington acabam por fazer mossa nas ambições americanas de uma maior influência na Ásia. Em 2013, Barack Obama também não foi a uma cimeira sobre a cooperação económica na região para responder à crise causada pelo shutdown do Governo. Xi Jinping aproveitou a deixa para realçar que “a Ásia-Pacífico não pode prosperar sem a China“.

Recentemente, o Secretário de Estado Antony Blinken desapontou os líderes regionais quando passou grande parte da sua visita às Fiji a falar sobre a Ucrânia. Os atrasos de responsáveis americanos para reuniões importantes na região também já causaram irritação.

Washington parece estar ciente do riscos de este cancelamento soar a déjà vu e rapidamente se apressou a descrever a ausência de Biden como apenas um adiamento. “Estamos ansiosos por encontrar outras formas de nos aproximarmos da Austrália, da Quad, da Papua Nova Guiné e dos líderes do Fórum das Ilhas do Pacífico no próximo ano”, reagiu a embaixada dos EUA na Austrália.

Nos últimos anos, os Estados Unidos têm apostado em mais visitas à região da Ásia-Pacífico, reabriram a embaixada nas Ilhas Salomão e inauguraram uma em Tonga.

Mas Washington está a correr atrás do prejuízo — o corpo diplomático mundial chinês já é maior do que o americano e está altamente concentrado na Ásia. A China tem também a maior marinha do mundo e as suas empresas públicas têm investido em muitos países em desenvolvimento, incluindo a Papua Nova Guiné e as Fiji.

O cancelamento da viagem à Papua Nova Guiné pode ainda dar muitas dores de cabeça a Biden. É provável que atrase os esforços para a finalização de um acordo que poderia dar ao exército americano acesso sem limites ao território e às águas do país, que tem uma localização de grande importância estratégica.

Os EUA tinham também planos para dar milhares de milhões de dólares em apoios para investimentos nas infraestruturas do país, uma promessa que ainda não se sabe se será cumprida. A China, por sua vez, já investiu no sector da construção e no minério da Papua Nova-Guiné.

“Ná há forma de negar que isto é uma grande oportunidade perdida. Podemos argumentar que ir à Papua Nova-Guiné durante três horas é mais importante do que ir ao G7 ou até ir à Quad porque é uma nova oportunidade que abre a porta a todo o tipo de possibilidades — e essa porta pode agora fechar-se por causa da nossa situação interna”, explica Derek Grossman, analista da RAND Corporation.

Adriana Peixoto, ZAP //

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