Programa clandestino no início da pandemia queria descredibilizar as vacinas que vinham da China. Foram criadas contas falsas na internet.
Estávamos nos primeiros meses da pandemia. A China sugeria que os EUA eram responsáveis pela COVID-19. Os EUA retaliaram. Secretamente.
A agência Reuters publicou nesta sexta-feira uma extensa reportagem, que indica que o Pentágono realizou uma campanha secreta para gerar medo à volta de vacinas provenientes da China.
O público-alvo estava bem definido: a população das Filipinas – um país muito afectado pelo coronavírus, com mais de 4 milhões de casos e quase 67 mil mortes.
Esta operação (clandestina) anti-vacina passou pela criação de contas falsas na internet, alegadamente de habitantes locais, que avisavam os seus compatriotas que as vacinas da Sinovac não eram seguras.
A Sinovac é uma empresa farmacêutica com sede em Pequim, capital da China.
Pelas redes sociais também foram colocadas em causa a qualidade das máscaras e dos testes.
Só no Twitter foram detectadas pelo menos 300 contas que, agora analisadas pela Reuters, correspondiam a descrições de antigos militares dos EUA que estavam dentro de operações nas Filipinas. Quase todos esses perfis foram criados no Verão de 2020.
Nas publicações – de perfis falsos – lia-se mensagens como “COVID veio da China e a vacina veio da China. Não confiem na China!“.
Esses perfis desapareceram do Twitter, agora X, depois do início desta investigação. “Faziam parte de uma campanha coordenada de bots, com base em padrões de actividade e dados internos”, justificou a rede social.
Esta campanha clandestina começou logo na Primavera de 2020 e terminou a meio de 2021. Ou seja, começou com Donald Trump mas continuou já com Joe Biden como presidente dos EUA.
Perigos
Daniel Lucey, especialista em doenças infecciosas, ficou “extremamente consternado, desapontado e desiludido” ao saber desta notícia. “Não acho que seja defensável“, avisou.
O Pentágono arriscou, terá “ultrapassado uma linha vermelha”, como descreve Greg Treverton, antigo coordenador de espionagem do Governo dos EUA.
Porque muitas pessoas, ao ficarem com dúvidas em relação a uma vacina, depois ficam com dúvidas em relação a todas as vacinas.
Isto num país, Filipinas, onde o seu (então) presidente, Rodrigo Duterte, avisou os compatriotas: “Escolham: ou são vacinados, ou são presos”.
Profissionais de saúde da Filipina ficaram também em choque. Esta campanha anti-vacina atingiu um país que, além dos números de desespero sobre a COVID-19, já tinha passado por um cepticismo geral sobre uma vacina contra a dengue, em 2016.
“Porque fizeram isto quando as pessoas estavam a morrer? Estávamos desesperados”, lembra Nina Castillo-Carandang, ex-conselheira da Organização Mundial da Saúde e do Governo das Filipinas durante a pandemia.
Como as Filipinas não produzem as suas próprias vacinas, esta campanha clandestina dos EUA ainda piorou esta “ferida”.
“Tenho a certeza de que morreram muitas pessoas de COVID que não precisavam de ter morrido“, lamenta Esperanza Cabral, antiga Secretária de Estado da Saúde nas Filipinas.
Mas fontes envolvidas neste esquema sugerem que o Pentágono não quis saber dos impactos que poderia ter na saúde pública dos filipinos.
Porque a prioridade não era a saúde pública num país. Era “pensar como poderíamos arrastar a China pela lama”, admite um antigo militar sénior dos EUA, que esteve nesta campanha.
Caricato como, passados 4 anos, essa campanha de desinformação estava certa. Caricato como uma mentira na altura veio tornar-se verdade, no sentido de que as vacinas não são de facto seguras.
Vão morrer mais pessoas por causa das vacinas do que por causa do COVID