O desastre nuclear de Chernobyl parecia estar destinado a cair no esquecimento, mas uma série de televisão voltou a trazer o assunto à baila. Naquela parte remota da Ucrânia chamada “zona de exclusão” continuam a viver centenas de animais deixados ao abandono. Mas, tal como a tragédia, não foram esquecidos.
Na madrugada de 26 de abril de 1986, o reator quatro na Central Nuclear de Chernobyl sofreu uma falha catastrófica e explodiu, libertando quantidades inimagináveis de materiais radioativos no ar, nas áreas vizinhas e até mesmo no oeste da URSS e noutros países da Europa Ocidental, recordou o Jornal de Notícias na quarta-feira.
Os registos oficiais apontam para 31 mortes diretas, com síndrome aguda de radiação, e 15 mortes indiretas – pacientes que morreram de cancro da tiroide nos anos seguintes (dados até 2011).
No entanto, estima-se que cerca de quatro mil entre os cinco milhões de pessoas que residem nas áreas contaminadas possam ter desenvolvido cancro por causa do acidente. O número real de mortes, diretas ou indiretas, nunca vai ser conhecido exatamente.
“Chernobyl”, uma minissérie de televisão da produtora norte-americana HBO, com cinco episódios, voltou a pôr os holofotes no tema, quando estreou, no início de maio. Com uma versão dos factos bem diferente à da União Soviética.
O sucesso da produção televisiva foi imediato e até fez aumentar significativamente o número de visitantes em Chernobyl nos últimos meses. Uma das cenas mais comentadas nas redes sociais pertence ao quarto episódio, em que se mostra uma equipa de três soldados soviéticos a disparar sobre cães abandonados em Pripyat, na Ucrânia.
Isso terá acontecido na realidade para evitar que os animais possivelmente afetados pelos altos níveis de radiação espalhassem a contaminação.
Os moradores da área próxima à central nuclear foram orientados para evacuar a zona cerca de 36 horas após o desastre. Terão tido cerca de 50 minutos para arrumar tudo o que conseguissem antes de entrar num dos autocarros que os iam levar dali. Não foi permitido que nenhum animal de estimação fosse levado, o que significa que muitos deles ficaram abandonados.
Cerca de mil cães continuam a viver em Chernobyl
Mais de 30 anos depois da tragédia, centenas de cães e outros animais continuam a viver na “zona de exclusão”, de aproximadamente 30 quilómetros (com uma área de cerca de 2600 quilómetros quadrados), que abrange as cidades de Chernobyl, Pripyat e Poliske, na Ucrânia.
A Clean Futures Fund (CFF), uma organização sem fins lucrativos dos Estados Unidos (EUA), criada para aumentar a consciencialização e fornecer apoio internacional a comunidades afetadas por acidentes industriais de longo prazo, estima que cerca de mil cães vadios continuam a viver em Chernobyl. Cerca de 250 vivem perto da central nuclear, mais de 225 na cidade e outras centenas em vários postos de controlo de segurança.
Pelo terceiro ano consecutivo, a organização visita Chernobyl para esterilizar, castrar e vacinar os cães vadios, protegendo-os do vírus da raiva e assegurando que menos cachorros nasçam. A edição deste ano do projeto “Cães de Chernobyl” começou no dia 03 de junho, com doações até um total de 40 mil dólares (cerca de 35.270 euros).
“Começámos o programa ‘Cães de Chernobyl’ em 2017. Depois de alguns anos a trabalhar e a visitar a central, ficámos surpreendidos com o número de cães vadios que viviam na “zona de exclusão” e na central nuclear de Chernobyl. Percebemos como foram abandonados e que representavam uma ameaça à segurança por causa do risco do vírus da raiva na zona”, explicou ao Jornal de Notícias Lucas Hixson, cofundador da CFF.
“Soubemos que a central e o governo ucraniano não tinham planos para resolver a situação a longo prazo e a única opção era selecionar uma população de cães. Desenvolvemos uma campanha de esterilização, castração e vacinação, propusemos o programa ao governo e tivemos a sorte de eles concordarem em trabalhar connosco no projeto”, recordou.
Mais de 850 animais já foram vacinados
A organização tem obtido bons resultados desde o início do programa. “Nos últimos três anos, esterilizámos e vacinámos mais de 850 animais na zona de exclusão de Chernobyl e na cidade de Slavutych, onde vivem os trabalhadores da central nuclear”, contou Lucas Hixson, definindo como objetivo deste ano “ajudar mais de 700 animais”.
E o que acontece depois a estes animais? “Em 2018, fomos capazes de resgatar e adotar mais de 40 cães bebés para famílias nos EUA e no Canadá”, revelou o responsável. “Os cães vivem felizes e serão saudáveis nas suas novas casas para sempre”, garantiu.
Lucas Hixson afirmou também que a CFF está a desenvolver um programa de gestão a longo prazo. “Acho que a melhor opção é criar um santuário com cerca de 35 a 50 hectares para os cães que vivem na zona de exclusão de Chernobyl. Esperamos angariar fundos e construir este espaço nos próximos três anos. Também queremos estabelecer um programa de alimentação durante todo o ano”.
E como é que as pessoas podem ajudar? “Precisamos desesperadamente de doações para financiar o programa de alimentação, esterilização e vacinação, para estabelecer e construir o santuário para cães em Chernobyl”, apelou o cofundador da organização.
A CFF garante que “não há risco de radiação relacionado com esses cães”, que “estão livres de contaminação antes de serem resgatados da zona”. Além de cães, a organização também ajuda gatos e animais feridos.