Descoberta de fósseis revela a cabeça do maior artrópode que já existiu, com pelo menos 290 milhões de anos, resolvendo assim um “puzzle” evolutivo com 170 anos.
A face de um artrópode pré-histórico gigantesco, Arthropleura, foi revelada pela primeira vez após a descoberta de dois fósseis muito bem preservados em Montceau-les-Mines, em França.
“O Arthropleura é conhecido desde o século XVIII, há mais de 100 anos, mas ainda não tínhamos encontrado uma cabeça completa”, explicou o paleontólogo e principal autor do estudo, Mickaël Lheritier, da Universidade Claude Bernard Lyon 1, ao Live Science.
A espécie, do tamanho de um carro, tem um comprimento de até 2,6 metros e um peso superior a 45 quilogramas e foi o maior artrópode que já existiu. Viveu durante o final da era Paleozoica (cerca de 346 a 290 milhões de anos atrás) e prosperou nas florestas ricas em oxigénio perto do equador.
A nova descoberta permitiu que os paleontólogos desvendassem o “quebra-cabeças” que ainda persistia sobre este “carro” semelhante a um milípede. Apesar do seu enorme tamanho, os cientistas há muito que estavam intrigados com as suas relações evolutivas, principalmente devido à ausência de uma cabeça completa fossilizada.
A descoberta da cabeça é relevante porque fornece pistas vitais sobre a anatomia da criatura, que ajudam os cientistas a compreender melhor o seu lugar na árvore evolutiva. “Agora, com a cabeça completa, podemos ver as mandíbulas, os olhos, e essas caraterísticas podem ajudar-nos a entender a posição desta criatura na evolução”, adiantou Lheritier.
Milípede ou centopeia? Um debate centenário
Antes desta descoberta, detalhada em estudo publicado a 9 de outubro na revista Science Advances, a classificação do Arthropleura andava a confundir os cientistas desde 1854.
A estrutura corporal do animal apresentava caraterísticas simultaneamente semelhantes às dos milípedes e das centopeias, o que gerou um longo debate que dividiu os que acreditavam que a criatura pertencia à linhagem dos milípedes e os que defendiam que pertencia à das centopeias.
Embora estes dois grupos de artrópodes modernos tenham divergido há cerca de 440 milhões de anos, muito antes da existência do Arthropleura, a ausência da cabeça da criatura impediu quaisquer conclusões definitivas sobre a sua relação com as espécies modernas.
Os paleontólogos há muito que debatem a sua classificação. O Arthropleura é uma espécie de “elefante na sala” nas árvores genealógicas dos artrópodes.
Mas agora, com a nova descoberta, “o mistério do Anthropleura parece estar resolvido”, afirma James Lamsdell, um paleontólogo da Universidade da Virgínia Ocidental que não esteve envolvido no estudo.
Mais perguntas do que respostas
Os investigadores descobriram virtualmente a cabeça de dois fósseis juvenis de Arthropleura, com a ajuda de tomografias computorizadas que revelaram caraterísticas distintas, incluindo olhos únicos com pedúnculos, antenas suavemente curvadas e pequenas mandíbulas semelhantes às de uma centopeia.
Mas a amálgama destes traços parecia esbater ainda mais a linha entre as caraterísticas de milípedes e centopeias em Arthropleura.
A descoberta acabou por suscitar mais perguntas do que respostas. Os olhos com pedúnculos, por exemplo, são invulgares para criaturas terrestres como Arthropleura e são mais comuns em espécies semiaquáticas ou até totalmente aquáticas, como os crustáceos.
O mistério resolve-se… mas ao mesmo tempo adensa-se, uma vez que não se conhecem milípedes ou centopeias com estas caraterísticas.
Uma hipótese explicativa sugere que os olhos com pedúnculo podem estar relacionados com a fase juvenil do animal. Lamsdell propôs que os juvenis de Arthropleura podem ter passado mais tempo na água e perdido os seus olhos com pedúnculo à medida que amadureciam.
No entanto, “os olhos em forma de pedúnculo continuam a ser um grande mistério”, admitiu Lheritier: “estes pormenores, em conjunto, podem parecer deixar o Arthropleura tão ou mais enigmático do que antes“, mas espera-se que tudo venha a ser explicado nos próximos tempos.