Uma determinada estrela na órbita de um suposto buraco negro parece compor mais um sistema binário típico, semelhante a muitos outros já encontrados.
Porém, as características do objeto são no mínimo suspeitas, a ponto de uma dupla de pesquisadores sugerir algo mais excêntrico: talvez seja uma estrela feita de matéria escura.
A estrela, encontrada pela missão GAIA, é bem parecida com o Sol, com quase a mesma quantidade de massa. Ela orbita um objeto escuro que possui pouco mais de 10 massas solares, a uma distância de 1,4 unidades astronómicas — um pouco menos que a distância média entre Marte e o Sol.
Os autores do novo estudo disseram que o período orbital dessa estrela está entre os mais altos já observados em sistemas binários formados por estrela-buraco negro: demora apenas 187,8 dias para completar uma volta ao objeto escuro.
Rapidamente, os astrónomos deduziram que o objeto central do sistema se trata de um buraco negro, ou seja, o remanescente da explosão de uma supernova. A estrela original teria sido massiva, formada próximo à sua estrela companheira, ou talvez a tenha “capturado” em algum momento antes de explodir.
Entretanto, há um problema bem peculiar: a estrela ao redor do objeto escuro é muito pequena para se manter estável na órbita de uma estrela gigante. Segundo o novo artigo, “o mecanismo evolutivo que leva à formação desse sistema de dois corpos é altamente desafiador”.
Por isso, a dupla de autores decidiu procurar outro cenário que pudesse explicar melhor esse sistema binário. A proposta do trabalho é substituir o suposto buraco negro por uma hipotética estrela de bosão, isto é, feita de matéria escura.
A matéria escura compõe 80% da matéria total do universo, mas ninguém sabe exatamente o que é, ou de que é feita. Isso porque, seja o que for, é algo que não interage com a luz e, portanto, é invisível. Também não interage com a matéria por nenhuma física conhecida, exceto pela gravidade.
Os cientistas só conseguiram descobrir que a matéria escura existe graças aos efeitos gravitacionais que ela exerce sobre as galáxias, onde é muito presente. Com essas e outras teorias sobre ela, os cientistas teóricos propuseram vários tipos de partículas hipotéticas que poderiam explicar essa matéria misteriosa, como alguns tipos desconhecidos de bosão.
Um dos principais candidatos a compor a matéria escura é o axião, um bosão hipotético de spin 0 (spin é uma das propriedades das partículas), também conjecturado à partícula capaz de formar uma estrela de bosões. Outro tipo de estrela bosónica muito especulada é a estrela de Proca, que seria formada por bosões de spin 1.
Se o suposto buraco negro do sistema binário observado pelo Gaia for, na verdade, algo feito de um desses bosões inéditos, significa que se trata de uma estrela feita de matéria escura. Essa foi a hipótese levantada pelo novo estudo e os cálculos dos cientistas parecem explicar o sistema corretamente, inclusive o fato de uma estrela pequena, do tamanho do Sol, orbitar um companheiro dez vezes maior.
Essas estrelas de bosões, se existirem mesmo, seriam invisíveis e transparentes, mas teriam gravidade forte o suficiente para distorcer a luz ao seu redor e formar horizontes de eventos como os próprios buracos negros fazem. Porém, ao contrário dos buracos negros, uma estrela normal “devorada” pela estrela bosónica continuaria visível dentro dela.
Claro, o estudo não encerra o assunto, até porque não existem evidências concretas da existência de estrelas de bosões, nem mesmo de que a matéria escura é formada por algum tipo de bosão. Mesmo assim, é um estudo interessante que abre as portas para pesquisas futuras sobre o assunto.
Nesse sentido, o artigo explica ainda como observações futuras de sistemas semelhantes “fornecerão uma excelente oportunidade para investigar a natureza fundamental de objetos compactos e testar alternativas compactas para buracos negros”, disseram os autores.
Por fim, esses sistemas são uma chance de testar a possibilidade de a matéria escura ser feita ou não de bosões.
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