“Um lai see aqui, outro acolá…”: Bem-vindos ao Novo Ano Chinês – com solidariedade portuguesa

Arranca, este sábado, o Novo Ano Chinês. Em Macau, ainda há portugueses a seguir a tradição tão generosa de oferecer os míticos “lai see”.

Os míticos “lai see” são envelopes vermelhos e dourados que se oferecem no Novo Ano Lunar Chinês. Espiritualmente, “afastam os espíritos”; de uma forma mais concreta e real, ajudam quem mais precisa.

“Sorte, força e saúde” é o que os chineses acham que este Ano do Dragão – que entra hoje e se prolonga até 25 de fevereiro de 2025 – lhes vai trazer.

Em Macau, a tradição de oferecer dinheiro no Ano Novo Lunar, para desejar sorte e afastar maus espíritos, tem origem há mais de dois mil anos na China e é mantida por muitos portugueses.

No momento de entregar um envelope ‘lai-see’ no Ano Novo Lunar, os portugueses Rui Barbosa e Ana Dias respeitam o ritual. Manda a tradição que o portador deste pequeno envelope o faça com as duas mãos.

“Sempre que possível com as duas mãos”, explicou à agência Lusa a portuguesa. “Também sigo as regras da data em que se começa a dar”, observa Rui.

Os míticos envelopes ‘lai-see’

Os envelopes ‘lai-see’, como se diz em cantonês (em mandarim é ‘hong bao’), são distribuídos na China e noutros países do Sudeste Asiático em ocasiões especiais, como casamentos ou durante o Ano Novo Lunar, que arranca já este sábado.

Pequenos, vermelhos – cor auspiciosa – e estampados com carateres dourados. Esta é a fisionomia mais comum dos envelopes, que, por esta altura, combinam com as ruas de Macau, carregadas de lanternas vermelhas ou outras decorações festivas, e lojas a vender posters com o deus da Fortuna, com mensagens de sorte, ou peixes, símbolo de abundância na cultura chinesa.

“Os ‘lai-see’ têm especialmente um significado cultural, é uma forma de integração nos costumes do sítio onde vivemos”, diz Rui Barbosa.

A viver há 17 anos no território, o engenheiro civil nota que na área da construção esta é uma prática comum, talvez porque muita mão-de-obra seja oriunda da China continental e os trabalhadores aguardam esse o gesto dos patrões.

Ana Dias, a trabalhar na área da promoção da língua portuguesa, tem 14 anos de Macau. Abraçou o costume por respeito às tradições e para “participar culturalmente na sociedade” em que vive. Admite que para quem tem rendimentos baixos, este “é um reforço simpático” nas finanças.

“Os ‘lai-see’ significam transmitir votos de desafogo económico – os colegas chineses falam do dinheiro a circular”, continua.

Ana deposita notas de 50 ou 100 patacas (5,76 ou 11,52 euros) nos pequenos envelopes e oferece-os, por exemplo, aos porteiros do prédio onde vive, empregados de limpeza e filhos de amigos. Já Rui distribui os presentes monetários na semana a seguir às festividades, já que durante os feriados muitas pessoas estão fora.

Diz a tradição que os envelopes devem ser dados por casados a jovens solteiros, apesar de, hoje em dia, as fronteiras entre o que deve ou não ser feito estarem cada vez mais esbatidas. O mesmo acontece com a data de entrega, ou até com o valor ofertado.

Para afastar os maus espíritos…

Em entrevista à Lusa, Wang Yu, especialista na história cultural da China, conta que o hábito popularizou-se nas últimas dinastias chinesas – Ming (1368-1644) e Qing (1644–1911).

No entanto, a ideia já data do período Han (202 a.C – 9 a.C; 25–220), em que se ofereciam moedas de metal com inscrições para afastar os maus espíritos.

O dinheiro adquire um papel central na dinastia Song (960-1279), sendo uma prática restrita a um grupo próximo do imperador.

“A cultura comercial era muito popular e alguns académicos defendem que, se olharmos para as origens do capitalismo chinês, estas podem remontar à dinastia Song”, avalia o académico do departamento de História da Universidade de Macau.

… e para ajudar quem mais precisa

Wang Yu refere, sobretudo, que esta é uma forma de ajudar pessoas com dificuldades ou até uma questão de estatuto: “Se der muito dinheiro, isso significa que tem dinheiro, que ganha bem”.

Rui Barbosa fala num ato “essencialmente simbólico”, à imagem do Natal com a oferta de presentes. Ana Dias reflete: “Simbólico por um lado, porque muitas pessoas que recebem também dão e vice-versa – a tal ideia do dinheiro a circular – e materialista, dentro do espírito pragmático chinês de valorizar o plano económico”.

Os envelopes ‘lai-see’ são hábito em transformalçao e que procura hoje respostas para a revolução digital, com aplicações de telemóvel a permitirem que envelopes vermelhos virtuais cheguem ao outro lado do planeta.

O artista de Macau Eric Fok defende que este é um método útil para ajudar os mais novos a desenvolverem o sentido de poupança, mas admite que tem uma preferência pelos envelopes físicos que “permitem o toque, sentir o calor”.

Quem também não aderiu à tecnologia foi Ana Dias. “Embora sejam mais ecológicos, parece-me que os ‘lai-see’ virtuais perdem o encanto associado ao ritual”

Nos últimos sete anos, foram recolhidos 13,69 milhões de envelopes de ‘lai-see’ pelas autoridades locais, com a possibilidade de reutilizar 3,43 milhões, de acordo com dados da Direção dos Serviços de Proteção Ambiental.

ZAP // Lusa

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