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“Vamos continuar a subir”. Aumento notável de casos deve-se a relaxamento no Natal (e pouco à variante inglesa)

José Sena Goulão / Lusa

Manuel Carmo Gomes elogiou as medidas adotadas para travar a propagação do contágio. Para o Centro Europeu de Prevenção de Doenças, o “aumento notável” no número de casos em Portugal deve-se “ao relaxamento” no Natal e, “em menor escala”, à variante inglesa. Já o infecciologista Jaime Nina atribui o aumento ao facto de o rastreio de casos e isolamento precoce estar “a falhar”.

O especialista Manuel Carmo Gomes elogiou as medidas adotadas pelo Governo para travar a propagação do contágio no país, considerando que o encerramento das escolas, tendo em conta o atual cenário, era “inevitável”.

“Foi bastante importante tomarmos uma atitude de confinamento mais rígido. Costuma-se dizer que mais vale tarde que nunca, embora eu dissesse que mais valia prevenir do que remediar. Nós no início deste ano, logo na primeira semana de janeiro, já tínhamos sinais de que estávamos a subir muito rapidamente, no seguimento do Natal, defendemos que já havia evidência suficiente para fecharmos de forma drástica e na altura hesitou-se demasiado e agora os números estão aí“, diz o epidemiologista, em entrevista à TSF.

Manuel Carmo Gomes, que é um dos conselheiros do Governo, avisa que ainda não é possível prever quando será atingido o pico, mas deixa uma certeza: “Vamos continuar a subir. Não há que ter ilusões acerca de estarmos no pico, é uma ilusão”.

“Simplesmente, nós projetarmos o futuro próximo com base no que é que tem acontecido nos últimos dias, com este confinamento que não tem sido efetivo, temos um rt que já está a apontar para cima e quando isso acontece deixamos de ver o pico“, alerta.

O especialista criticou também o facto de estarmos a “subestimar o que o vírus consegue fazer desde março”, lamentando que quer a população, quer o Governo em vez de agir, opte por reagir.

“Com ameaças destas, que têm este tipo de dinâmicas, temos de responder com toda a força mal temos um indício de que, neste caso, a epidemia está a subir.”

Para Manuel Carmo Gomes, em setembro havia “um sinal muito claro” do início de uma segunda onda. “Nessa altura, por muito que isto custe a acreditar às pessoas e aos nossos dirigentes, devíamos ter feito um confinamento imediatamente tão rígido como este que vamos fazer agora”, critica o especialista.

“Aumento notável” das infeções deve-se a relaxamento

O Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC) atribuiu esta quinta-feira o “aumento notável” no número de casos de covid-19 em Portugal “ao relaxamento” das restrições no Natal e, “em menor escala”, à variante inglesa do SARS-CoV-2.

Em causa está o relatório sobre o “Risco de propagação das novas e preocupantes variantes da SARS-CoV-2”, divulgado pelo ECDC e a que a Lusa teve acesso, no qual esta agência europeia observa que “Portugal registou um aumento notável no número de todos os casos notificados de covid-19 nas últimas semanas”.

“Este aumento tem sido atribuído principalmente ao relaxamento das intervenções não-farmacêuticas [restrições] durante a época festiva de fim de ano, mas também, em menor escala, à propagação da variante inglesa em algumas regiões do país”, justifica a agência europeia no documento.

Num documento em que é reiterada a “preocupação” sobre as novas mutações SARS-CoV-2, nomeadamente as variantes detetadas no Reino Unido, Brasil e África do Sul, dada a elevada transmissibilidade, o ECDC aponta que, até 12 de janeiro, apenas tinham sido comunicados 72 casos da estirpe inglesa em Portugal.

“Até à data, a estratégia de amostragem para a sequenciação tem sido sistemática, concentrando-se em amostras de sequenciação recolhidas durante uma semana por mês”, explica a agência europeia, que tem como missão apoiar os países europeus no combate a pandemias e epidemias.

No mesmo relatório, em que apela a restrições mais rigorosas e rapidez na vacinação dos grupos de risco dada a atual situação epidemiológica, o ECDC indica que Portugal tem sido um dos países mais mortalidade por covid-19 na União Europeia e Espaço Económico Europeu (UE/EEE), mas também com mais internamentos e com mais casos comunicados.

Portugal está a falhar no rastreio, diz infecciologista

Portugal está a falhar no rastreio epidemiológico da covid-19, defendeu esta quarta-feira o infecciologista Jaime Nina, que entende que “não houve o cuidado de reforço de mão-de-obra” nesta matéria.

O infecciologista do Hospital Egas Moniz (Lisboa) entende que o aumento do número de mortes registadas no país por covid-19 é consequência do aumento do número de casos de infeção, defendendo que o crescimento da pandemia “está à solta” e numa fase exponencial.

“Ou muito rapidamente se consegue inverter a tendência ou isto vai acabar muito mal”, disse Jaime Nina, que afirmou que lhe “faz impressão” que a principal medida considerada para combater o avanço da pandemia tenha sido o confinamento, quando a literatura científica prevê um conjunto de outras a ser aplicadas antes, com prioridade ao rastreio.

“A primeira é o rastreio de casos e isolamento precoce. Isso está a falhar, porque não houve o cuidado de reforço de mão-de-obra. […] Se houvesse um rastreio de casos como deve ser só em meia dúzia de casos não se encontrava a fonte de infeção. Isto está a falhar completamente e não é por falta de vontade dos profissionais, que estão a fazer o que podem, mas há limites”, disse.

O especialista referiu o estado de exaustão dos profissionais ligados aos rastreios epidemiológicos e a sua insuficiência face ao número de casos registados, lembrando que houve propostas para colocar estudantes dos últimos anos de Medicina ao serviço destes rastreios, que podiam evitar que mais de 80% dos casos de infeção não tenham identificada a sua origem.

“Estamos num crescimento exponencial. As mortes estão a aumentar mais do que o número de casos, porque para os casos aparecerem nas estatísticas alguém tem que os diagnosticar e notificá-los. Quando as pessoas estão completamente estoiradas não fazem isso, enquanto as mortes, por razões óbvias, têm que ser notificadas”, disse.

Defendeu ainda, a propósito dos rastreios, que os lares de idosos, particularmente atingidos pela covid-19 e com grande peso na taxa de mortalidade do país, deviam realizar testes rápidos a todos os trabalhadores “dia sim, dia não”, para evitar surtos e mortes.

Jaime Nina lembrou ainda que há outras medidas, inclusivamente recomendadas pelo Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças, de ventilação antivírus de espaços e de uso de lâmpadas ultravioleta, com eficácia na redução de contágios, que se forem aplicadas também pode contribuir para travar a pandemia.

Quanto ao fecho das escolas, cuja atividade letiva fica suspensa a partir de hoje [sexta-feira] e assim permanece durante 15 dias, o infecciologista reconhece que a medida tem “alguma eficácia”, mas lembrou o custo social.

A pandemia de covid-19 provocou, pelo menos, 2.075.698 mortos resultantes de mais de 96,8 milhões de casos de infeção em todo o mundo.

Em Portugal, morreram 9.686 pessoas dos 595.149 casos de infeção confirmados, de acordo com o boletim mais recente da Direção-Geral da Saúde.

Sofia Teixeira Santos, ZAP // Lusa

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