As superstições fazem gato sapato da nossa mente (sobretudo se o gato for preto)

Talvez mais arrepiante do que um gato preto a passar por si seja a ideia de quanto as superstições fazem gato sapato da nossa caixa “negra”.

Imagine que é uma manhã de outono fresca e soalheira. Acabou de sair de casa pronto para começar o seu dia.

Pelo canto do olho, vislumbra algo a mexer-se nos arbustos. Será um esquilo a guardar bolotas para o inverno? Um pintarroxo a engordar para a migração? À medida que se aproxima, a imagem torna-se clara e, inconscientemente, sustém a respiração.

É um gato preto que sai para o seu passeio matinal.

Faz uma pausa para decidir o que fazer. Atravessar a rua para que o gato não possa cruzar o seu caminho? Ter a coragem de passar por ele, ou mesmo de se agachar para o acariciar? Racionalmente, sabe que a ideia de que um gato preto dá azar é apenas uma superstição tola… mas tem uma reunião importante esta tarde e prefere jogar pelo seguro…

Esta superstição sobre gatos pretos e outros animais pretos em geral moldou as preferências das pessoas em relação aos animais. Deixou a sua marca em coisas como taxas de adoção mais baixas para gatos pretos e crenças de que os gatos pretos são mais agressivos. No entanto, estes preconceitos são infundados.

Dois biólogos, que se concentram nas interações entre os seres humanos e a vida selvagem, escrevem sobre o assunto no The Conversation.

Os cientistas descrevem como “assustador” a forma como as superstições, as lendas e os mitos podem moldar o nosso subconsciente – particularmente os preconceitos em relação aos animais que as pessoas continuam aconservar.

Raridade na base das superstições

É claro que o pelo, as penas e as escamas dos animais têm várias cores no espetro visível e invisível para os seres humanos. Estas colorações desempenham um papel importante na sobrevivência dos animais selvagens, funcionando como forma de dissimulação, regulação da temperatura ou comunicação.

No veado-de-cauda-branca, por exemplo, um lampejo de cauda branca pode indicar que o perigo está próximo, enquanto o peito vermelho vivo de um cardeal macho atrai as fêmeas que estão prontas para acasalar.

Dentro das espécies, encontram-se variações de cor em todo o reino animal, incluindo animais melanísticos com uma pigmentação mais escura e animais leucísticos com uma redução de pigmento.

Existem panteras negras, uma versão melanística do leopardo, Panthera pardus, ou do jaguar, Panthera onca. No outro lado do espetro estão os ursos brancos espirituais, uma versão leucística do urso negro americano, Ursus americanus. Há também animais albinos que não possuem a maior parte ou todo o pigmento.

Os cientistas reconhecem estas variações de cor como anomalias extremas no mundo natural.

Ser totalmente preto ou totalmente branco é um fenómeno raro, pouco provável de persistir na natureza porque é uma desvantagem seletiva.

Estes animais têm frequentemente mais dificuldade em misturar-se no seu habitat – um desafio para os predadores que tentam emboscar as suas presas e para as presas que tentam esconder-se dos predadores.

Podem também ter dificuldade em regular a sua temperatura e em comunicar com outros da sua espécie.

Proteção baseada numa cor única

Recentemente, os dois biólogos exploraram a forma como a coloração carismática, incluindo a coloração melanística e leucística ou albinismo, afeta a conservação dos animais nos Estados Unidos.

Ao lerem as leis locais e notícias de animais selvagens que são protegidos ou abatidos, os investigadores notaram uma tendência: Muitos animais albinos e leucísticos são protegidos.

As leis do Minnesota, Illinois e Wisconsin protegem os veados albinos/brancos de serem caçados.

Em Marionville, no Missouri, os esquilos brancos são protegidos e têm direito de passagem em todas as ruas públicas, com uma pena de até 500 dólares ou 90 dias de prisão se não cumprirem a lei.

No Louisiana, é proibido capturar jacarés brancos na natureza, com uma multa de pelo menos 10.000 dólares e seis meses de prisão.

O World Wilderness Congress adoptou recentemente uma resolução: Abrir espaço para proteger os animais brancos, mensageiros da paz.

Também encontrámos animais brancos facilmente celebrados. Brevard, na Carolina do Norte, organiza um festival anual chamado “Fim de semana do esquilo branco”.

As pessoas costumam soltar pombas brancas em casamentos e funerais como símbolos de pureza e paz.

O famoso jacaré albino da Academia de Ciências da Califórnia, chamado Claude, tem um livro inteiro escrito sobre ele.

E os membros do departamento de polícia de Olney, Illinois, usam um emblema no seu uniforme com um esquilo branco.

No entanto…

Nestas jurisdições, os investigadores não encontraram leis e celebrações semelhantes à dos animais brancos para os seus homólogos pretos.

Esta discrepância surpreendeu-os porque a mutação genética que causa o melanismo ocorre com menos frequência do que a que causa o albinismo/leucismo.

Os animais pretos puros são mais raros, o que levou os biólogos a pensar que os animais melanísticos mais raros despertariam o interesse humano por serem mais invulgares e desencadeariam mais proteções – mas não.

As cores têm associações de longa data

Há muitos milhares de anos que as pessoas partilham entre si histórias, lendas, contos e mitos que tentam explicar o mundo.

Por vezes, estas histórias fornecem conselhos de precaução sobre os perigos que se escondem à nossa volta.

Quando os nossos antepassados se sentavam à volta de fogueiras, contando histórias emocionantes, procuravam refugiar-se juntos da escuridão que escondia ameaças iminentes. Muitos desses “preconceitos” desenvolveram-se como uma resposta de sobrevivência – uma razão pela qual um predador noturno de cor escura seria temível é o facto de ser tão difícil de ver à noite, por exemplo.

No entanto, os preconceitos modernos são baseados em ideologias prejudiciais.

Algures, há muito tempo atrás, o branco tornou-se sinónimo de “bom” e “puro”, enquanto o preto se alinhava mais com o “mal” e “impuro”, o que se reflete em expressões como “dia negro”, a “lista negra”, “humor negro”, etc..

Talvez mais arrepiante do que um gato preto a passar por si seja a ideia de quanto as superstições fazem gato sapato do nosso subconsciente.

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