O lançamento do primeiro satélite “espião” norte-coreano suscita muitas dúvidas sobre o seu real êxito, mas também receios de que Pyongyang tenha ascendido a um novo patamar, graças à tecnologia russa e às trocas de armas entre os dois países.
Após dois lançamentos falhados no início do ano, a Coreia do Norte afirmou ter colocado com sucesso o satélite de espionagem militar “Malligyong-1” em órbita no dia 21 de novembro, mas precisa de tempo para verificar se está a funcionar corretamente.
“O foguetão espacial Chollima-1 voou normalmente ao longo da trajetória predefinida e colocou com precisão o satélite ‘Malligyong-1’ em órbita 12 minutos após o lançamento”, informou a agência de notícias estatal norte-coreana KCNA.
Segundo Pyongyang, o líder norte-coreano, Kim Jong Un, analisou imagens da Casa Branca e do Pentágono, em Washington, de porta-aviões norte-americanos e de bases navais dos Estados Unidos, incluindo Guam e Havai, de locais importantes na Coreia do Sul, e até de Roma.
O líder norte-coreano não divulgou no entanto as fotografias captadas pelo satélite, pelo que os peritos duvidam da sua relevância militar.
Apesar do sucesso que busca há décadas, o satélite Malligyong-1 está a pairar em órbita há mais de uma semana e permanece incerto o que Kim Jong Un estará realmente a ver.
Pyongyang tem um historial de imagens falsas ou manipuladas e as suas proezas militares são frequentemente manifestamente exageradas e dirigidas pela sua propaganda para consumo interno e internacional.
“Se há algo que sabemos sobre a Coreia do Norte é que é um país que mente o tempo todo”, alerta Fyodor Tertitskiy, investigador de política norte-coreana na Universidade Kookmin, em Seul, citado pela BBC.
A estação britânica tentou ver a Casa Branca em tempo real na internet, e logo no primeiro lugar da pesquisa, conseguiu-o, através de uma câmara a transmitir em direto no canal YouTube. Além disso, está ao dispor de qualquer utilizador um outro instrumento de alcance universal: o Google Earth.
Os especialistas apontam também que, mesmo que o satélite de vigilância norte-coreano esteja a transmitir, as suas imagens têm uma resolução muito limitada.
Mas avisam que, ao passar do nada para alguma coisa, é arriscado subestimar-se a ambição de Pyongyang, agora aparentemente reforçada pelos vastos conhecimentos russos neste domínio e pelas “costas largas” de Putin.
Analistas observam também, que, além da evolução tecnológica, Pyongyang poderá usar diplomaticamente um eventual reforço do seu potencial militar para tentar obter alívios nas sanções que enfrenta desde 2006 devido aos seus programas de mísseis balísticos e nucleares .
Em resposta à Associated Press, o Presidente sul-coreano, Yoon Suk Yeol, um dos maiores parceiros não europeus da Ucrânia contra a agressão de Moscovo, já reconheceu que o lançamento bem-sucedido de um satélite de reconhecimento pelo Norte “significaria que as capacidades dos mísseis balísticos intercontinentais da Coreia do Norte foram levadas a um nível superior”.
Apesar da tradicional propaganda teatral do séquito de Kim, as reações internacionais condenaram o que consideraram ser uma flagrante violação das resoluções do Conselho de Segurança da ONU – que proíbem quaisquer lançamentos de satélites por parte da Coreia do Norte.
Combstível para ambições espaciais
Passaram apenas dois meses desde a reunião histórica entre o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, e o seu homólogo norte-coreano em Vladivostok, no centro de lançamento de satélites mais importante da Rússia, o Cosmódromo Vostochny.
“É por isso que viemos aqui”, respondeu na altura o líder do Kremlin, citado pela imprensa estatal, à questão do seu apoio à construção de satélites pela Coreia do Norte.
No negócio, celebrado sem declarações públicas, entre impressionantes manifestações militares e trocas simbólicas de prendas, como espingardas automáticas e ‘drones’, Pyongyang ajudaria Moscovo com remessas de armas e munições para fazer frente à guerra na Ucrânia.
Embora aliados há décadas, as relações entre a Rússia e a Coreia do Norte conheceram um desenvolvimento assinalável este ano com o aprofundamento da cooperação bilateral militar.
Este aprofundamento de relações levou a Pyongyang os ministros russos da Defesa, Sergei Shoigu, e dos Negócios Estrangeiros, Serguei Lavrov, que deixou na altura palavras de inquietação sobre as atividades dos Estados Unidos, do Japão e da Coreia do Sul na região.
Em 26 de outubro, o ministro russo dos Recursos Naturais, Alexander Kozlov, chefiou uma delegação de visita a Pyongyang e proclamou “o fortalecimento dos laços com a Coreia do Norte em todos os níveis”, seguindo os objetivos traçados por Putin.
A chefe da diplomacia sul-coreana, Choe Son-hui, advertiu então que as relações entre os dois países funcionarão como um elemento “poderoso estratégico” se a segurança na região estiver ameaçada em resultado da aliança militar trilateral liderada dos Estados Unidos com a Coreia do Sul e Japão.
Dois dias depois do lançamento do satélite “espião”, o Serviço de Nacional de Informações (NIS) de Seul afirmou que a Rússia ajudou a Coreia do Norte, num processo que começou na cimeira Putin-Kim, em Vladivostok.
Segundo o NIS, o líder norte-coreano terá na altura fornecido a Moscovo o plano e os dados para o lançamento do primeiro e do segundo dispositivo.
“A Rússia, por sua vez, analisou esses elementos e forneceu informações ao Norte”, revelou o deputado sul-coreano Yoo Sang-bum, citando dados da “secreta” de Seul, e adiantando que Pyongyang transferiu para Moscovo mais de um milhão de projéteis de artilharia desde o início de agosto a troco de tecnologia e ‘know-how’ espacial.
Yoo Sang-bum precisou que mais de um milhão de projéteis de artilharia foram transportados por mar a partir do porto de Najin e chegaram às estruturas portuárias russas de Dunai e Vostochny, segundo o NIS, de onde foram transportados de comboio para a Ucrânia.
O deputado sul-coreano realça que a Coreia do Norte carece de recursos financeiros e de conhecimentos técnicos no seu programa de satélites e que, entre as contrapartidas dadas por Moscovo, poderá estar o envio de aviões de combate russos.
ZAP // Lusa