“Árvores líquidas” que ajudam a limpar o ar: não é ficção científica

Liquid 3

Fotobiorreator da Liquid 3

E se, de repente, nos deparássemos com uma árvore que, em vez de tronco, ramos e folhas, se apresentasse na forma de um aquário verde?

Poderia ser um cenário apenas expectável num filme de ficção científica, mas a verdade é que estas “árvores” existem na vida real e podem ser encontradas pelas ruas de Belgrado, na Sérvia.

Uma equipa do Instituto de Investigação Multidisciplinar da Universidade de Belgrado desenvolveu o projetoLiquid 3, ou “Árvore Líquida”.

O nome, apesar de poder induzir confusão, tem um fundamento, já que o mecanismo renova o ar e, apesar da aparência tecnológica, também contém seres vivos.

Na verdade, trata-se de um fotobiorreator – isto é, uma espécie de tanque transparente, de acrílico, que contém 600 litros de água e microalgas que realizam a fotossíntese, diminuindo a quantidade de dióxido de carbono.

Ivan Spasojević é doutorado em Ciências Biofísicas e está à frente deste projeto que visa promover a purificação do ar poluído da cidade.

Em entrevista ao JPN, revela que a ideia surgiu do interesse no desafio “Climate Smart Urban Development”, lançado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP), pelo Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF) e pelo Ministério da Proteção Ambiental da Sérvia.

O “Liquid3” contou com a participação da algologista Marina Stanić, da arquiteta Danica Stojiljković e de vários cientistas.

Juntos “levaram a cabo uma longa jornada de trabalho multidisciplinar” que os fez “sair da zona de conforto académica” e investir num “projeto aplicável à indústria e à vida real“, avança o especialista.

Mas em que consiste exatamente o mecanismo e qual a sua utilidade?

Spasojević afirma que estas estruturas “têm a capacidade de captação de carbono de uma árvore adulta”. Contudo, o investigador evidencia que “estas duas não devem ser comparadas” e que o mecanismo não pretende substituir as plantas.

“O projeto Liquid3 é para ser posto em prática apenas em lugares que não sejam adequados à plantação de árvores”, considerando a estrutura urbana, completa.

Aliás, “as microalgas são organismos fotossintéticos vivos com uma base metabólica muito semelhante à das árvores e já produzem 50% do oxigénio atmosférico que respiramos”, partilha o investigador.

Além do aproveitamento direto da luz solar por parte das microalgas, estes sistemas também possuem painéis no topo que captam luz natural, transformando-a em eletricidade.

Esta energia solar alimenta a iluminação no interior do “tanque” que, por sua vez, possibilita a fotossíntese durante todo o ano, mesmo nos meses mais escuros de inverno. O mecanismo conta, também, com uma bomba que capta o ar poluído e o lança na água para, assim, proporcionar nutrientes às algas.

Assim, além da conversão de dióxido de carbono em oxigénio, “o sistema remove a poluição PM [particulate matter]” – ou seja, as partículas em suspensão.

Estas partículas de diâmetros microscópicos, por serem leves, permanecem muito tempo em suspensão no ar e entram no corpo através das vias respiratórias.

De acordo com a Agência Europeia do Ambiente, a inalação e acumulação destas substâncias no corpo podem causar doenças cardíacas e cancro, constituindo uma das principais ameaças para a saúde em ambientes citadinos.

As Liquid 3 têm a capacidade de captação de carbono de uma árvore adulta. No entanto, os benefícios não se resumem apenas ao “impacto na qualidade do ambiente urbano”: também promovem a “consciencialização sobre a importância da proteção ambiental” e, quando as microalgas crescem, “geram uma biomassa que pode ser usada como biofertilizante” em jardinagem e agricultura.

Ivan Spasojević defende que as “árvores líquidas” poderão ser um complemento da vegetação e nunca um substituto.

Esta iniciativa, pioneira em meio urbano, surge numa cidade especialmente afetada por problemas de qualidade do ar, resultantes de vários fatores, tais como a presença de duas grandes explorações de carvão nas redondezas.

A poluição afeta, contudo, todo o país, fazendo a Sérvia ocupar o 33.º lugar da lista dos países com a pior qualidade do ar a nível mundial. Chega a níveis tão altos, em certos períodos, que os ativistas afirmam poder detectar essa contaminação através da visão, olfato e paladar.

Devido à densidade populacional – 59% da população sérvia vive em zonas urbanas -, o espaço para a plantação de árvores escasseia. O “Liquid3” surge, então, como um conceito alternativo de “fácil manutenção” e com “custos relativamente baixos”, que vem ajudar a tornar o ar urbano um pouco mais puro.

A iniciativa está a dividir opiniões na internet. Alguns cibernautas consideram o projeto “distópico” e temem que estas “árvores líquidas” substituam as árvores normais.

Questionado sobre a polémica, o cientista afirma que não há nada de “distópico” neste projeto. “O Liquid3 nunca vai substituir as árvores. No máximo, substitui os bancos da cidade. E, assim, em vez de simples bancos, passamos a ter «uma árvore», um carregador solar para telemóveis, uma luz noturna e um banco”.

Acima de tudo, esta tecnologia acaba por ser bastante acessível e “poderá ser adotada noutras cidades“, refere o cientista. No entanto, poderá haver a necessidade, ou a vontade, de se proceder a “pequenos ajustes“, dependendo das características do local.

“Em cidades do litoral, por exemplo, poderão usar água do mar“, conclui.

// JPN

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