O artista ciborgue daltónico que “sonha a cores” vai agora sentir a Terra rodar

Mario Sixtus / flickr

Neil Harbisson, o músico espanhol, depois de ter passado a ver o mundo a cores através do som, criou agora um dispositivo que lhe permite sentir o passar do tempo.

Segundo a Agence France-Presse, o artista apenas consegue ver a preto e branco, devido a uma síndrome que dá pelo nome de acromatopsia.

Apesar desta limitação, Harbisson desenvolveu o Eyeborg, uma antena que lhe permite ver as cores, através do som.

Embora o termo ciborgue nos faça imaginar imagens do Terminator de Arnold Schwarzenegger, a tecnologia consegue expandir as capacidade humanas e ajudar pessoas como Neil Harbisson a percecionar melhor o mundo.

O músico nasceu na Irlanda do Norte, com uma condição que não lhe permite distinguir as cores. Mudou-se em criança para Barcelona, cidade onde cresceu obcecado pela cor e por coisas que não conseguia sentir — e onde conheceu a bailarina ativista espanhola Moon Ribas, a primeira ciborgue do mundo.

Essa persistência levou a que o artista, agora com 39 anos, fosse submetido a uma cirurgia, que transformou a sua identidade e a sua vida.

Enquanto estava a estudar música, em Inglaterra, Harbisson desenvolveu uma antena metálica que se coloca sobre a cabeça e vibra, de acordo com as cores que deteta.

À primeira vista, parece uma tecnologia “extra”, mas faz tanto parte do seu corpo como o seu nariz ou ouvidos, e dá-lhe a capacidade de “ouvir” a cor que os seus olhos não conseguem ver.

De acordo com Harbisson, “ser um ciborgue significa que a tecnologia faz parte da própria identidade”.

“Permite-me ver as cores, do infravermelho ao ultra-violeta, através de vibrações na minha cabeça, que depois se tornam som, para que eu possa, realmente, ouvir as cores”, acrescenta.

Em 2004, um cirurgião, cujo nome nunca foi revelado, inseriu o dispositivo no crânio do artista, de forma a que a tecnologia fizesse parte do corpo, e o osso crescesse à sua volta.

O sensor capta a frequência das cores e transforma-as em sons que são transmitidas ao músico através dos ossos.

Quem não sofre de acromatopsia, consegue ouvir com a condução do ar através de ondas sonoras, que passam pela parte externa dos ouvidos, o que causa uma vibração no tímpano.

Mas com a condução do som através dos ossos, as vibrações passam diretamente para o ouvido interno.

“Inicialmente, era caótico, porque a antena não me dizia: azul, amarelo ou rosa. Estava a dar-me vibrações e eu não fazia ideia da cor que tinha à minha frente“, conta Neil Harbisson.

“Mas passado algum tempo, o meu cérebro habituou-se e começou a fazer parte da minha perceção, gradualmente, e a tornar-se normal”, realça.

Depois de “sonhar a cores”, o artista apercebeu-se de que as cores “tinham sido criadas no seu cérebro, e não apenas na antena”.

Apesar de ser a única pessoa a conseguir “ouvir” as cores, a condução do som nos ossos já ajudou Beethoven quando começou a perder a audição.

O compositor alemão apercebeu-se de que ainda conseguia ouvir, se colocasse um pau de madeira no piano e mordesse a outra ponta, enquanto tocava.

200 anos depois, dispositivos de audição através da condução óssea funcionam igualmente, mas com um implante de metal inserido no crânio.

Harbisson virou a sua atenção para um novo projeto, recentemente. Criou um dispositivo em forma de colarinho de metal, concebido para sentir o passar o tempo, o qual vai experimentar ao longo de um ano, para verificar se funciona.

“Há um ponto de calor que demora 24 horas a dar uma volta completa ao meu pescoço, e me permite sentir a rotação do planeta“, explica o músico.

“Assim que o cérebro se habituar, pode usar uma aplicação para fazer alterações na velocidade do ponto de calor, que me permitem uma melhor perceção do tempo. Pode, potencialmente, prolongar o tempo ou fazer-me sentir que está a passar mais depressa”, acrescenta.

Para já, é algo que usa ao pescoço, e não um implante. Até porque é necessário ir ajustando o dispositivo, tendo em conta que o artista, com a primeira versão, estava a “queimar-se” às 18:00 horas.

“Esta é uma arte que carrega alguns riscos, mas são riscos desconhecidos porque não temos muito historial de fusões entre corpos e tecnologia“, conclui.

ACL, ZAP //

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