As antas de Carregal do Sal, no vale do Mondego, funcionaram, há seis mil anos, como o primeiro telescópio da humanidade. A descoberta tem um dedo do arqueólogo português Fábio Silva, que explica ao ZAP que só conseguiu desenvolver esta pesquisa graças a uma bolsa estrangeira.
A Sociedade Britânica de Astronomia (SBA) anunciou, a 30 de Junho, que um grupo de investigadores, entre os quais Fábio Silva, está a estudar aquilo que pode ser descrito como “a primeira ferramenta de observação astronómica, potencialmente usada por humanos pré-históricos há seis mil anos”.
Muito antes de os telescópios terem sido inventados, as antas ou dólmens podem ter “aprimorado o que as culturas humanas primitivas veriam no céu nocturno”, explica a SBA em comunicado.
Na base desta descoberta arqueo-astronómica estão os trabalhos de investigação de Fábio Silva, professor na Universidade de Gales Trinity Saint David, onde lecciona a cadeira “Skyscapes, Cosmology and Archaeology” no âmbito de uma pós-graduação em Arqueo-Astronomia.
Antas alinhadas com a estrela Aldebarã
Fábio Silva já publicou vários trabalhos sobre a relação entre as antas e a astronomia, nomeadamente na revista científica Papers from the Institute of Archaeology, em 2013, e na revista portuguesa Zimbro, em 2015, onde constatava como os dolméns da zona da Serra da Estrela estão alinhados com Aldebarã, a estrela mais brilhante da constelação Taurus.
Aí assinalava como o nascer desta estrela era uma marca “temporal” para as comunidades que viviam no local, há seis mil anos, por assinalar a “altura mais propícia para estas comunidades pastoris transumantes se deslocarem para os prados altos da Serra da Estrela, onde passariam o Verão com as suas ovelhas e cabras”, explica o investigador ao ZAP.
O nascer da estrela Aldebarã era igualmente, uma marca “espacial”, já que nascia exactamente “sobre a serra que seria o destino destas comunidades”.
Sem apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia
No primeiro estudo, Fábio Silva ficou na dúvida quanto ao porquê de as antas estarem alinhadas com Aldebarã, já que não seria preciso “nenhum monumento” para “observar o nascimento da estrela”, sublinha ao ZAP, em conversa por e-mail.
Foi esta a base para prosseguir a investigação que o arqueólogo só continuou graças a uma “pequena bolsa” da National Geographic Society, que “foi mais generosa” do que a Fundação para a Ciência e Tecnologia que lhe recusou apoio, revela Fábio Silva.
Foi assim que o investigador português conseguiu estudar 100 antas por todo o país, com foco particular no norte de Portugal, constatando o alinhamento com Aldebarã em dois terços delas.
Ritos de passagem e iniciação
As pesquisas ainda não terminaram e vão continuar, nomeadamente explorando a ideia de que o alinhamento das antas com Aldebarã poderia ter como propósito “visões e rituais de teor xamânico” e “ritos de passagem e iniciação”, explica o arqueólogo ao ZAP.
Estes rituais poderiam levar os jovens a passar por “testes”, culminando numa “revelação” que lhes permitiria integrar de novo a comunidade com um estatuto diferente, de adulto.
O investigador descreve que “o rito de passagem poderia culminar na observação, de dentro da anta, do nascimento de Aldebarã. Isto poderia ser tido como “secreto” se a comunidade, que apenas pode observar o nascimento de fora da anta, não conseguisse (ainda) ver a estrela, mas apenas dias depois”.
“O jovem iniciado teria assim um conhecimento que o distinguia dos não-iniciados: que a estrela já tinha de facto nascido”, salienta Fábio Silva.
Testar em laboratório como o olho humano vê as estrelas
Esta tese vai continuar a ser explorada, juntamente com a ideia do “impacto do corredor das antas na observação do céu”, nota o arqueólogo português.
Fábio Silva explica ao ZAP que o próximo passo é “testar, em laboratório, sob que condições (iluminação de fundo, tamanho da entrada, brilho da estrela)” é que a anta permitiria “observar o nascimento de Aldebarã dias antes do resto da comunidade”.
Até agora, a pesquisa já identificou “três pontos que não tinham ainda sido considerados por anteriores cientistas” e que poderão ajudar a chegar a respostas mais conclusivas, sustenta o investigador português.
Em primeiro lugar, o facto de que “alguém que estaria dentro da anta teria o olho adaptado para a escuridão e, portanto, conseguiria ver uma fonte de luz muito menos brilhante, do que alguém fora da anta que começa a adaptar o olho para a claridade do nascer do Sol”.
Um segundo ponto evidenciado pelo investigador português é “o impacto da cor de fundo, e portanto do contraste de cores (uma vez que a Aldebarã é vermelha, e o céu em lusco-fusco é azul-escuro)”.
Finalmente, o terceiro ponto é “a forma como as diferentes células do olho reagem a diferentes intensidades luminosas”.
Em última instância, a investigação vai ajudar-nos a perceber melhor como é que o olho humano pode ver as estrelas em função da cor e da luminosidade do céu, sem o auxílio de aparelhos telescópicos.
SV, ZAP
Tenho dúvidas que a utilização da palavra “telescópio” seja a mais apropriada neste contexto. Observatório astronómico talvez fosse mais apropriado.
As antas eram cobertas (as chamadas mamoas)… Sendo assim, não estou a ver como seriam telescópios, pois palpita-me que não saberão a espessura da cobertura. Ou então não estou a ver bem…
Ficamos a saber que a estrela que dá nome à Serra (Serra da Estrela) é Aldebarã. Quanto às Antas/Dolmens dificilmente seriam um Observatório Astronómico porque eram monumentos tumulares cobertos de terra. O facto de estarem alinhados com Aldebarã é que é significativo e expressa a importância dessa referência astronómica para a comunidade que aí habitou e que foi responsável por essas construções.
Pois será a ALDEBARÃ na sera a de aldebra da ou …..??iiii…………