Qian Xuesen: o homem que fez da China uma superpotência (após ser deportado pelos EUA)

Wikimedia Commons

Qian Xuesen, o pai dos programas espaciais e de mísseis da China.

Qian Xuesen podia ser hoje um grande herói norte-americano, mas os EUA deportaram-no e o cientista transformou a China numa superpotência.

Em Xangai, na China, há um museu inteiro com 70.000 artefactos dedicados a um dos homens mais importantes da história do país: o “Cientista do Povo”, Qian Xuesen.

Qian é vulgarmente conhecido como o “pai dos programas espaciais e de mísseis da China”.

A sua investigação ajudou a desenvolver os foguetões que lançaram o primeiro satélite da China para o espaço e os mísseis que se tornaram parte do arsenal nuclear chinês.

Por esta razão, é venerado como um herói nacional.

No fundo, fez da China uma superpotência.

Mas a história de vida conturbada de Qian começou muitos anos antes, nos EUA – onde estudou e trabalhou durante mais de uma década; e onde, curiosamente, as importantes contribuições de Qian raramente são reconhecidas.

Este caso foi recentemente destacado em meios de comunicação social norte-americanos, nos últimos dias, no contexto da política de expulsão de imigrantes do Presidente Donald Trump.

Em 28 de maio, o Secretário de Estado Marco Rubio anunciou que o governo iria trabalhar para “revogar agressivamente” os vistos dos estudantes chineses.

No entanto, os riscos de expulsar, em vez de acolher, talentos como Qian já prejudicaram os EUA no passado. Poderão os Estados Unidos voltar a tropeçar e livrar-se de figuras tão brilhantes como este cientista chinês – e repetir aquele que é conhecido como “um dos piores erros da história do país”?

Qian Xuesen: a Estrela de um país

Qian nasceu em 1911, quando a última dinastia imperial da China estava prestes a ser substituída por uma república.

Desde muito cedo se tornou evidente que Qian tinha muitos talentos. Formou-se como o melhor da turma na Universidade Jiao Tong de Xangai e ganhou uma rara bolsa de estudos para o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos EUA.

Em 1935, chegou a Boston um jovem, elegante e bem vestido. Do MIT foi para o Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), onde partilhou um gabinete com um cientista proeminente, Frank Malina, um membro importante de um pequeno grupo de inovadores conhecido como o “Esquadrão Suicida”.

O Esquadrão Suicida atraiu rapidamente a atenção dos militares americanos, que financiaram a investigação sobre a descolagem assistida por jato, em que os propulsores eram ligados às asas dos aviões para lhes permitir descolar de pistas curtas.

O financiamento militar também ajudou a criar o Laboratório de Propulsão a Jato (JPL) em 1943. Qian, juntamente com Frank Malina, estava no centro do projeto.

Até que… chegou o Comunismo

No final da década, a brilhante carreira de Qian nos Estados Unidos foi subitamente interrompida e a sua vida profissinal começou a desvanecer.

Na China, Mao Zedong declarou a criação da República Popular Comunista em 1949 e os chineses foram rapidamente vistos nos EUA como “os maus da fita”, explica, à BBC, Chris Jespersen, professor de história da Universidade do Norte da Geórgia, nos EUA.

Entretanto, um novo diretor do JPL ficou convencido de que havia uma rede de espionagem no laboratório e partilhou as suas suspeitas sobre alguns membros da equipa com o FBI. “Eram todos chineses ou judeus”, conta à mesma televisão, o historiador Fraser Macdonald.

A Guerra Fria entre os EUA e a União Soviética estava em curso e a caça às bruxas anticomunista estava a ganhar força. Foi nesta atmosfera que o FBI acusou Qian, Frank Malina e outros de serem comunistas e uma ameaça à segurança nacional.

As acusações contra Qian baseavam-se num documento de 1938 do Partido Comunista dos EUA, que mostrava que ele tinha participado numa reunião social que o FBI suspeitava ser uma reunião do Partido Comunista de Pasadena.

Embora Qian tenha negado ser membro do partido, um novo estudo sugere que ele aderiu ao mesmo tempo que Frank Malina, em 1938.

“Isso não fazia dele necessariamente um marxista. Ser comunista nessa altura era uma declaração de antirracismo”, explica Macdonald.

O grupo queria chamar a atenção para a ameaça do fascismo, bem como para o “horror do racismo nos EUA”, diz o especialista.

E Qian foi preso

Zuoyue Wang, professor de história na Universidade Politécnica do Estado da Califórnia, diz que não há provas de que Qian tenha espiado para a China ou sido agente dos serviços secretos enquanto esteve nos Estados Unidos. No entanto, posoto em prisão domiciliária.

Em 1955, após cinco anos de prisão domiciliária, o Presidente Eisenhower tomou a decisão de o deportar para a China. O cientista partiu de barco com a mulher e os dois filhos nascidos nos EUA, dizendo aos jornalistas que nunca mais voltaria a pôr os pés nos EUA. E cumpriu a promessa.

“Ele era um dos cientistas mais conceituados dos EUA. Contribuiu muito e poderia ter contribuído muito mais. Por isso, não foi apenas uma humilhação, mas também um sentimento de traição“, diz à BBC o jornalista e escritor Tianyu Fang.

Qian chegou à China como um herói, mas não foi imediatamente admitido no Partido Comunista. O seu currículo não era irrepreensível. A sua mulher era a filha aristocrática de um líder nacionalista e, até à sua queda em desgraça, Qian vivia feliz nos EUA. O cientista tinha mesmo dado os primeiros passos para requerer a cidadania americana.

Mas depois juntou-se ao regime

Quando finalmente se tornou membro do Partido Comunista Chinês, em 1958, abraçou-o e, a partir daí, tentou sempre manter-se ao lado do regime.

Sobreviveu às purgas e à Revolução Cultural e conseguiu prosseguir a sua extraordinária carreira.15 anos depois, viria a supervisionar o lançamento do primeiro satélite chinês para o espaço.

Ao longo de décadas, formou uma nova geração de cientistas e o seu trabalho lançou as bases do Programa de Exploração Lunar da China.

Ironicamente, o programa de mísseis que Qian ajudou a desenvolver na China deu origem a armas que foram disparadas contra os EUA.

Os mísseis “bicho-da-seda” desenvolvidos por Qian foram disparados contra os americanos na Guerra do Golfo de 1991 e, em 2016, contra o navio de guerra USS Mason pelos rebeldes Houthi no Iémen.

“Coisa mais estúpida que os EUA fizeram”

“Os EUA deportaram os meios pelos quais um dos seus principais rivais podia desenvolver os seus próprios mísseis e programa espacial. Foi um erro geopolítico extraordinário. Há um ciclo estranho. Os EUA expulsaram estes conhecimentos e isso voltou para os morder”, observa Macdonald.

Um antigo secretário da Marinha dos EUA, Dan Kimball, que mais tarde se tornou diretor da empresa de propulsão de foguetões Aerojet, disse, numa ocasião, que a deportação de Qian foi “a coisa mais estúpida que este país alguma vez fez”.

Embora a maioria dos americanos desconheça a história de Qian e o seu papel no programa espacial americano, muitos chineses e estudantes chineses nos EUA conhecem o cientista e a razão pela qual ele teve de deixar o país, e vêem um paralelismo com os dias de hoje.

A vida de Qian estendeu-se por quase um século. Morreu em 2009, com quase 98 anos. Durante esse tempo, a China passou de ser um país economicamente insignificante a uma superpotência na Terra e no espaço.

Qian fez parte dessa transformação. Mas podia ter sido um herói norte-americano. Quem sabe.

ZAP // BBC

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