O primeiro estudo biomecânico de sempre sobre armas indígenas permitiu medir cientificamente o quão mortíferas foram duas icónicas armas aborígenes.
Na série televisiva First Weapons, da ABC, que foi para o ar no ano passado, o apresentador Phil Breslin testou uma série de armas indígenas australianas.
Entre elas estavam três armas: o leangle, o parryng shield e o kodj. Ambas as armas são utilizadas para atacar um adversário.
Os criadores do programa (a Blackfella Films) convidaram uma equipa de investigadores para testar a letalidade das armas, através de métodos biomecânicos modernos.
Como explicam no The Conversation, o objetivo era determinar exatamente de onde vem aquele poder de ataque e o que torna os seus antigos desenhos tão mortíferos.
As conclusões do estudo foram publicadas na revista Scientific Reports, na semana passada.
Armas mortais
Os objetos de estudo foram o leangle, o parrying shield e o kodj.
O kodj é parte martelo, parte machado e parte atiçador. A sua conceção tem provavelmente dezenas de milhares de anos, embora seja difícil determinar exatamente quando esta forma de ferramenta foi inventada – apenas a parte de pedra sobrevive ao registo arqueológico a longo prazo.
Até agora, o machado mais antigo recuperado de um sítio arqueológico australiano data de entre 49.000 e 44.000 anos atrás. Foi encontrado num sítio Bunuba chamado Carpenter’s Gap 1.
A beleza desta arma é a sua capacidade de ser “articulada com uma volta do pulso, de modo a que a lâmina possa cortar em qualquer direção”.
O kodj usado na nossa experiência foi feito por Larry Blight, um homem Menang Noongar da Austrália Ocidental. O seu cabo é esculpido em madeira de acácia com uma lâmina de boya (pedra) afiada num dos lados e um gume de boya rombo no outro com resina de balga (Xanthorrhoea ou árvore de erva).
O leangle e o parryng shield foram feitos por Brendan Kennedy e Trevor Kirby, especialistas em armas, em Wadi Wadi Country. Cada uma delas foi esculpida em madeira dura e são tradicionalmente utilizadas em conjunto em combates corpo a corpo.
Determinar quando é que estas armas foram inventadas é ainda mais difícil do que o kodj, porque tanto o leangle como o seu escudo emparelhado são inteiramente feitos de madeira. A madeira raramente sobrevive a longo prazo, e certamente não durante os milhares de anos necessários para seguir o rasto da sua inovação.
Atualmente, os artefactos de madeira mais antigos encontrados no continente australiano são 25 ferramentas, incluindo bumerangues e paus de escavação, recuperados do pântano de Wyrie, na Austrália do Sul.
Têm mais de 10.000 anos e só foram preservados porque se encontravam num ambiente alagado que os protegia da decomposição.
Biomecânica das armas
Não existem estudos anteriores que descrevam a eficiência humana e das armas quando atacam com uma arma de mão, pelo que começámos do zero.
Para este estudo, o apresentador do programa, Phil Breslin, atuou como o guerreiro que pôs as armas à prova.
Utilizando instrumentos portáteis, monitorizámos a energia cinética humana e da arma e as velocidades acumuladas durante os golpes de kodj e leangle.
As análises biomecânicas permitiram conhecer os movimentos do ombro, do cotovelo e do pulso, bem como as potências atingidas durante cada movimento de golpe.
Estes testes revelaram que o leangle é muito mais eficaz a desferir golpes devastadores no corpo humano do que o kodj.
O kodj, por outro lado, é mais eficiente para um indivíduo manobrar, mas ainda é capaz de desferir golpes severos que podem causar a morte.
Ao longo das últimas centenas de anos, os escritores europeus registaram a utilização de uma série de armas em conflitos entre e dentro das Primeiras Nações do continente australiano. Estênceis e pinturas dessas mesmas armas aparecem na arte rupestre, registando a sua presença antes da chegada dos europeus.
Algumas armas eram também utilizadas na resolução de litígios. Estas incluíam o “julgamento por provação”, em que uma pessoa acusada tinha de enfrentar uma barragem de projéteis (lanças ou bumerangues de combate) desarmada ou com um escudo. Estes julgamentos resultavam frequentemente em ferimentos, mas raramente em morte.
Os vestígios arqueológicos de violência interpessoal (ferimentos em restos de esqueletos) são raros na Austrália, mas, quando encontrados, consistem geralmente em depressões no crânio – “formidavelmente” mortais.
ZAP // The Conversation