A Amnistia Internacional publicou imagens que tornam absolutamente visível a tentativa de eliminar os Rohingya de Myanmar. As forças militares continuam a dizer que não matam civis.
A Amnistia Internacional divulgou imagens de satélite que mostram uma “campanha orquestrada” para incendiar as aldeias dos Rohingya a oeste de Myanmar. A organização afirmou que estas imagens são provas claras de que as forças de segurança estão a tentar expulsar esta minoria muçulmana do país.
As forças militares, contudo, argumentam que estão a lutar contra militantes e que ainda não atingiram civis. A verdade é que cerca de 389 mil Rohingya já fugiram para o Bangladesh desde que a violência começou, em agosto, com o pretexto de que as pessoas pertencentes a esta minoria são imigrantes ilegais em Myanmar.
O governo do país diz que neste momento 30% das aldeias dos Rohingya em Rakhine estão totalmente vazias. Na última quarta-feira, o secretário-geral da ONU, António Guterres, classificou a situação como uma catástrofe humanitária e não teve receios em adjetivá-la de “limpeza étnica”.
Quem são os rohingyas, o povo muçulmano que a ONU diz ser alvo de limpeza étnica?
A migração de cerca de 370 mil muçulmanos rohingyas de Myanmar para o Bangladesh nas últimas semanas é mais um capítulo de uma história marcada por décadas de perseguições, avança a BBC.
Cerca de um milhão de pessoas dessa minoria, a maior comunidade no mundo, vivem em Myanmar, um país predominantemente budista. A maioria mora de forma precária no Estado de Rakhine, palco dos episódios recentes de violência que o alto comissário das Nações Unidas para os direitos humanos, Zeid Ra’ad al-Hussein, classificou de “limpeza étnica”.
Tudo começou a 25 de agosto, quando militantes rohingya atacaram dezenas de postos policiais. Em resposta, o exército birmanês deu início a uma operação militar que, segundo relatos citados pelo alto comissário da ONU, incendiou vilarejos, matou civis e espalhou minas terrestres na fronteira com Bangladesh.
O êxodo em massa dos rohyngias nos últimos dias não tem precedentes, diz a Organização Internacional para as Migrações (OIM) da ONU, que estima que outras 100 mil pessoas se possam juntar nos próximos dias aos que cruzaram a fronteira.
Cerca de 60% dos novos refugiados são crianças, de acordo com o chefe de proteção a crianças da Unicef no Bangladesh, Jean Lieby.
A crise do povo rohingya é uma das mais longas do mundo e também uma das mais negligenciadas. O diagnóstico, feito pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), levou a ONU a aprovar uma resolução em dezembro de 2014 que exortava Myanmar a permitir o acesso à cidadania para a minoria, classificada de forma geral como apátrida.
No país, eles são proibidos de casar ou de viajar sem a permissão das autoridades e não têm direito a possuir terra ou propriedade. O povo representa cerca de 5% entre 60 milhões de habitantes de Myanmar, e a sua origem ainda é amplamente debatida.
O povo afirma ser indígenas do Estado de Rakhine, anteriormente conhecido como Arakan, no oeste do país, mas outros apontam que são, na verdade, muçulmanos de origem bengali que migraram para Myanmar durante a ocupação britânica. Desde 1948, quando o país se tornou independente, que são vítimas de tortura, negligência e repressão.
Com as dramáticas mudanças políticas e sociais locais nos últimos anos, os ânimos das várias comunidades que habitam o país entraram em ebulição e uma onda de violência e discriminação voltou a emergir contra os rohingyas.
Após ter sido governado por uma junta militar por mais de meio século, Myanmar passava por uma transição para a democracia e por melhorias no campo social. Mas para os rohingyas a situação não melhorou.
Em 2012, duas ondas de violência, uma em junho e a outra em outubro, orquestradas por grupos extremistas de maioria budista em Rakhine, fizeram cerca de 140 mortos, centenas de casas e edificações muçulmanas destruídas e 100 mil desalojados. As autoridades foram acusadas de não agir para os defender.
Como explicou o correspondente da BBC no sudeste da Ásia, Jonathan Head, num relato de 2015, “Rakhine é o segundo Estado mais pobre em Myanmar, e este é um dos países menos desenvolvidos do mundo. A pobreza, negligência e repressão têm desempenhado um grande papel na violência étnica”, diz o repórter.
“A isso junte as memórias históricas amargas e os medos sentidos por comunidades rivais do que poderiam perder ou ganhar no ambiente político novo e incerto de Myanmar”, acrescenta.
Tanto as Nações Unidas como organizações de defesa dos direitos humanos pedem que as autoridades de Myanmar revejam a Lei de Cidadania de 1982, de forma a garantir que os rohingyas não continuem sem pátria. Essa é a única maneira, dizem, para combater as raízes da longa discriminação contra essa etnia.
Contudo, muitos budistas de Myanmar nem sequer reconhecem o termo rohingya. Chamam-nos de “bengalis muçulmanos” – uma alusão à visão oficial de que os rohingyas são imigrantes de Bangladesh.
Como diz Jonathan Head, cerca de 800 mil rohingyas de Myanmar não possuem cidadania. E isso de certa forma incentivou budistas a acreditar que sua campanha de segregação e expulsão forçada é justificada. Mas a segregação não é só social.
“As longas décadas de isolamento e de injustiça crónica impostas pela junta militar de Myanmar criou um preconceito e ressentimento no Estado de Rakhine. E isso tem fermentado um clima venenoso de desconfiança e falta de informação“.
“É claro que, além da separação física dos muçulmanos e budistas, também há uma extrema segregação mental“.