Antes de manifestar sintomas, a depressão mexe com a atenção

Estudo mostra que surge uma alteração no cérebro antes do aparecimento dos primeiros sintomas da depressão. Descoberta pode ajudar a prever quem poderá desenvolver a doença.

A depressão altera a comunicação interna do cérebro antes do aparecimento dos sintomas da doença, revela um estudo publicado em setembro na revista Nature.

Recolhendo imagens por ressonância magnética funcional, os investigadores descobriram que a depressão reorganiza uma área importante do cérebro ligada à motivação e à atenção.

As alterações foram detetadas antes do desenvolvimento dos sintomas da depressão, o que significa que os investigadores conseguiram prever quem iria desenvolver a doença e quem provavelmente não.

“A principal descoberta é que há uma expansão da área do córtex ocupada por uma rede cerebral chamada rede de saliência. Até agora, não se sabia que condições clínicas da depressão podiam expandir as redes cerebrais”, afirmou Jonathan Roiser, neurocientista e especialista em depressão da University College London, no Reino Unido, que não participou no estudo.

O estudo analisou a atividade cerebral de 141 pacientes com depressão e 37 sem a doença. O objetivo era perceber como a doença altera a forma como as regiões do cérebro comunicam entre si.

“Normalmente, observamos o cérebro a partir de como as suas regiões comunicam umas com as outras – como se todas participassem numa chamada telefónica. A questão é saber com que outras regiões estão a comunicar e a que rede pertencem”, explicou Miriam Klein-Flügge, neurocientista cognitiva da Universidade de Oxford, no Reino Unido, que não participou no estudo.

Os investigadores descobriram que a chamada “rede de saliência frontoestriatal” foi expandida em participantes com depressão, em comparação com o grupo sem a doença. Esta rede é importante para orientar a atenção, focar nos estímulos relevantes que entram no cérebro e regular as respostas emocionais a esses estímulos.

“Ainda não se sabe exatamente o que esta rede faz, mas já se sabe que é importante para os sintomas de saúde mental, incluindo a depressão e a ansiedade”, disse Roiser.

Expansão da rede de saliência prevê depressão

A evidência do aumento da rede de saliência descoberta no estudo foi considerada um robusto indicador, capaz de prever se as pessoas desenvolveriam depressão mais tarde na vida. Os investigadores descobriram que esta rede já estava ampliada num grupo de crianças de 10 a 12 anos que posteriormente desenvolveram depressão na adolescência.

Klein-Flügge afirmou que a descoberta é “empolgante e muito rara”. Para o estudo, os investigadores mediram a atividade cerebral dos participantes durante um longo período, tanto quando estavam bem, como quando estavam doentes.

O estudo também mostrou que a força da rede de saliência está correlacionada com alguns sintomas da depressão, especialmente os relacionados com a perda de prazer e motivação.

No entanto, ainda não é possível perceber ao certo, com base nos dados do estudo, se as mudanças na rede de saliência estão relacionadas com alguma experiência psicológica específica ou com pensamentos depressivos, de acordo com Emily Hird, neurocientista da University College London.

O estudo não comparou a atividade cerebral com os sintomas ou pensamentos dos participantes – apenas analisou o “estado de repouso”.

Em vez disso, o remapeamento da rede de saliência pode ser visto como “um tipo de característica, um marcador de risco para ajudar a identificar pessoas vulneráveis a desenvolver depressão no futuro“, afirmou Hird.

Redes cerebrais são remapeadas na depressão

Se a rede de saliência se expandiu em pessoas com depressão, como é que esta se expande? De acordo com Roiser, a rede é remapeada para incluir regiões do cérebro que normalmente não estão envolvidas na rede de saliência, incluindo regiões importantes para a depressão.

“A rede de saliência interfere com outras regiões cerebrais, incluindo uma região que sabemos desempenhar um papel fundamental na decisão de se esforçar”, disse Roiser. “Isso é muito interessante, pois sabemos que há uma relutância nas pessoas com depressão em se envolver em tarefas que exigem esforço.”

Roiser e Hird acreditam que a investigação em curso indica que os conhecidos efeitos antidepressivos do exercício podem estar relacionados com a alteração da atividade nesta rede de esforço. “O exercício é bastante eficaz contra a depressão, pelo menos tão eficaz quanto os medicamentos antidepressivos ou a psicoterapia”, salientou Roiser.

Klein-Flügge ficou surpreendida com o facto de o estudo não ter discutido uma região do cérebro chamada amígdala, que é importante para o processamento das emoções. “Esta área do cérebro tem sido o centro das investigações sobre a depressão há décadas. Pode parecer que não é importante, mas sabemos, através de trabalhos anteriores, que desempenha um papel fundamental na depressão.”

Um novo biomarcador para a depressão?

Uma vez que a ampliação da rede de saliência foi tão estável e previsível em pessoas com depressão, Klein-Flügge sugeriu que esta poderia ser utilizada como um novo potencial biomarcador para a doença no futuro.

Um biomarcador é uma forma mensurável de os médicos detetarem uma doença ou perturbação nos pacientes – como o teste de antigénio para a covid-19. Neste caso, o tamanho ou a “expansão” da rede de saliência medida em exames cerebrais poderia, um dia, ser um biomarcador para a depressão.

“Para saber se isso pode ser utilizado de forma fiável para prever a probabilidade de um indivíduo desenvolver depressão, será necessário aumentar as amostras e replicar este trabalho”, disse Klein-Flügge.

No entanto, Roiser é mais cético e não acredita que os cientistas alguma vez encontrarão um biomarcador para a depressão. “Não creio que a depressão seja uma entidade homogénea do ponto de vista neurobiológico, por isso, não haverá um biomarcador único para a depressão.”

Roiser considera os sintomas depressivos como manifestações de muitos estados cerebrais diferentes. “É como os médicos costumavam pensar na hidropisia, que era o inchaço das pernas. Agora sabemos que a hidropisia não é uma doença, mas uma manifestação de muitas doenças diferentes”, explicou.

Roiser acredita que a depressão é semelhante. “Os sintomas depressivos provavelmente resultam de uma interação complexa entre diferentes circuitos cerebrais que governam a forma como pensamos, sentimos e nos comportamos, com diferentes circuitos a gerar sintomas em diferentes indivíduos.”

ZAP // DW

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