O quadro jurídico que rege as concessões de serviços municipais de abastecimento de água, saneamento e gestão de lixo tem “aspetos críticos” que penalizam os concedentes públicos e respetivos utentes e beneficiam as concessionárias, segundo o Tribunal de Contas.
Numa auditoria à regulação das Parcerias Público Privadas (PPP) no setor das águas, que analisou 27 concessões do abastecimento de água do país firmadas entre 1994 e 2011, o Tribunal de Contas (TdC) adianta que a lei “ignora os princípios gerais de partilha de riscos com os parceiros privados” e não identifica os riscos “que devem permanecer, obrigatoriamente, na esfera de responsabilidade da concessionária”.
Também criticado pelo Tribunal é o facto de a flexibilidade do concedente (os municípios) quanto à escolha da modalidade de reposição do equilíbrio financeiro se encontrar limitada uma vez que apenas pode ser feita “por via do tarifário” nos casos de ocorrência de alterações legislativas ou regulamentares, quando se verificarem alterações das tarifas do sistema multimunicipal ou modificações ao plano de investimentos.
“Não se afigura razoável que os impactos residuais de meras alterações legislativas ou regulamentares possam vir a onerar o tarifário aplicado aos utilizadores”, consideram os juízes do TdC.
Transferência do risco
Por outro lado, a garantia de proveitos mínimos para o concessionário, também prevista legalmente “constitui um fator que poderá desvirtuar o princípio de que a concessão deve implicar uma efetiva e significativa transferência do risco para a concessionária”.
O TdC sublinha que face ao histórico “otimista” de projeções e estimativas de atividade das concessões, que confirmou novamente nesta auditoria a 19 concessões de água, “o risco do concedente assumir um encargo permanente e insustentável é elevado”.
Também a abordagem da retribuição a pagar ao concedente (municípios) merece a reprovação do Tribunal, pois “não tem em consideração o princípio da partilha de benefícios e riscos” e tende a ser reduzida ou eliminada como forma de contribuir para a reposição do equilíbrio financeiro de muitas concessões.
“Vejam-se as concessões de Trancoso, de Santo Tirso/Trofa e de Valongo em que a retribuição foi eliminada e no caso particular da concessão de Carrazeda, que nunca chegou a ser paga ao concedente”, aponta o relatório do TdC.
Revisões “claramente lesivas para interesse público”
As condições de revisão do contrato de concessão são outro aspeto crítico, revelando-se, “claramente, lesivas para o interesse público, em especial para o dos utilizadores”, pois estão condicionadas “à presunção de uma estimativa superior ao dobro da taxa de remuneração do investimento acionista que consta do respetivo modelo financeiro do contrato inicial”, uma situação que “nunca irá ocorrer ou dificilmente ocorrerá”.
O TdC apresenta várias recomendações no sentido de renegociar os contratos das concessões analisadas (Alcanena, Barcelos, Batalha, Campo Maior, Carrazeda de Ansiães, Figueira da Foz, Fundão, Ourém, Trancoso, Gondomar, Setúbal, Paredes, Valongo, Fafe, Santa Maria da Feira, Matosinhos, Santo Tirso/Trofa, Paços de Ferreira e Marco de Canaveses), semelhantes às das auditorias realizadas às concessões/PPP promovidas pela Administração Central.
Ao Governo, sugere a revisão do estatuto da ERSAR (Entidade Reguladora de Águas e Resíduos) de forma a torná-la uma entidade independente e reforçar os seus poderes, bem como a revisão do regime jurídico dos serviços municipais de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos.
Esta alteração deve incluir a possibilidade do concedente pedir a revisão do contrato de concessão, caso a taxa interna de rendibilidade para o investimento acionista se revele superior ao dobro daquela que consta do caso base inicial, uma cláusula considerada “leonina” e prejudicial ao “interesse público”.
/Lusa