Afinal, milhares de pacientes em coma podem estar conscientes apesar de ignorados pelos médicos

Jean-Christophe Bott / EPA

Neurocientista acredita que as diretrizes das autoridades de saúde para os casos de morte cerebral podem estar a causar que milhares de pessoas em todo o mundo não estejam a receber a atenção devida pelos médicos.

A partir de exames realizados a uma mulher norte-americana, que na sequência de um acidente de acidente sofreu lesões cerebrais que resultaram num estado vegetativo, os médicos descobriram que não está totalmente desprovida de conhecimento ou consciência mesmo depois após meses nesta condição.

A avaliação foi feita através de ressonâncias magnéticas, nas quais os médicos pediram à paciente que se imaginasse a acenar com os braços, como se estivesse numa partida de ténis. De forma surpreendente, parte do cérebro da mulher, conhecida como córtex pré-motor, reagiu, da mesma forma que acontece nas pessoas saudáveis, em situações semelhantes.

De acordo com Adrian M Owen, neurocientista, este resultado permitiu aos investigadores perceber que a mulher entendia as instruções, sendo também capaz de lhes responder, não de forma física – mexendo uma mão ou piscando os olhos – mas cerebralmente, não deixando espaço para dúvidas de que a paciente não estava em estado vegetativo, mas consciente e ciente do que acontecia em seu redor, apesar de continuar sem responder fisicamente.

Depois de mais alguns anos de investigação, a técnica voltou a ser repetida – ainda que com algumas novidades -, num jovem que estava num estado aparentemente vegetativo depois de uma colisão quase fatal com um carro da polícia há mais de 12 anos. Alterando os padrões da atividade cerebral para obter respostas como “sim” ou “não“, o paciente foi capaz de dizer que sabia onde estava, há quanto tempo, que gostava de ver televisão e que não tinha dores. Mesmo assim, quem estivesse ao lado da cama do paciente não seria capaz de identificar qualquer tipo de reação.

Até 2016, mais de mil pacientes em todo o mundo tinham sido sujeitos a exames, usando variações da ressonância aplicada pelo grupo de médicos original. Posteriormente, uma revisão científica independente concluiu que entre 20 a 25% dos indivíduos estavam em situações semelhantes às descritas: conscientes e atentos, apesar do seu aspeto e de continuarem presas nos seus corpos imóveis, ao mesmo tempo que ouvem cada conversa que ocorre ao lado das suas camas, assim como as decisões tomadas.

Apesar de ninguém saber ao certo quantas pessoas, em todo o mundo, estão em estado vegetativo, à luz desta nova pesquisa entende-se agora que muitas – dezenas de milhares – podem não estar a receber a atenção e os tratamentos que deveriam por parte dos médicos, já que muitas das autoridades nacionais recomendam que após um determinado período de tempo deixem de ser realizados exames de imagiologia que atestem o verdadeiro grau de consciência dos pacientes.

Tal como aponta Adrian M Owen num artigo de opinião publicado na Science Focus, esta política impossibilita milhares de pessoas em todo o mundo de um direito importante: fazerem-se ouvir, comunicar com as equipas médicas que as seguem e também com as famílias, de forma a contribuírem com a sua opinião nos tratamentos a que são – ou não – submetidos. Na opinião do neurocientista, esta posição consiste no abandono daqueles que não têm voz ou forma de se expressar e que, ao contrário, do que se acreditava antes, estão muitas vezes conscientes.

ZAP //

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