Em menos de 10 minutos, um adolescente norte-americano fez uma pequena fortuna a vender uma memecoin que tinha criado numa brincadeira. Os traders, sentindo-se enganados, começaram por reagir violentamente. Depois, vingaram-se…
Na noite de 19 de novembro, o consultor artístico Adam Biesk estava a terminar o trabalho na sua casa na Califórnia quando ouviu uma conversa entre a mulher e o filho, que tinham acabado de descer as escadas.
O filho, um miúdo no início da adolescência, dizia que tinha ganho muito dinheiro com uma criptomoeda que ele próprio tinha criado.
Inicialmente, Biesk ignorou o facto. Sabia que o filho andava a brincar com as criptomoedas, mas ter feito uma pequena fortuna antes de se deitar era demasiado rebuscado. “Não acreditámos muito nisso“, diz Biesk.
Mas quando o telefone começou a tocar sem parar e a mulher foi inundada com mensagens furiosas no Instagram, Biesk apercebeu-se de que o filho estava a dizer a verdade — embora não a história completa, conta a Wired.
Ao início da noite, às 19:48, o filho tinha lançado no mercado de criptomoedas mil milhões de unidades de uma nova moeda criptográfica — uma memecoin a que deu o nome de Gen Z Quant.
Ao mesmo tempo, investiu cerca de 350 dólares (330 euros) a comprar 51 milhões de tokens — cerca de 5% da quantidade sisponível — para si mesmo.
De seguida, começou a fazer uma transmissão em direto no Pump.Fun, o website que usou para lançar a moeda. À medida que as pessoas se ligavam para ver o que o adolescente estava a fazer, começaram a comprar Gen Z Quant, o que provocou uma subida acentuada do valor da memecoin.
Por volta das 19:56, oito minutos mais tarde, os tokens que o adolescente tinham comprado da sua própria moeda valiam quase 30.000 dólares — algo como 28.000 euros.
O que fez a seguir causou o caos: levantou imediatamente todo o dinheiro — uma transação tão grande que provocou uma quebra abrupta do valor da nova criptomoeda.
“Não pode ser. Que m****! F***-se!“, disse, virando os dois dedos do meio para a webcam, com a língua de fora da boca. “P*** que pariu! Obrigado pelos vinte bandos“. A expressão “bando” refere-se habitualmenet a um local, normalmente uma casa abandonada, onde são negociadas drogas ilegais.
Para uma pessoa comum, tudo isto pode parecer impossível. Mas no domínio das memecoins, um tipo de criptomoeda sem qualquer objetivo ou utilidade para além da especulação financeira, é relativamente rotineiro. Embora muitas pessoas percam dinheiro, há quem ganhe muito — e rapidamente.
Neste caso, o filho de Biesk parece ter feito o que se designa por “soft rug pull“, em que alguém cria um novo token de criptomoeda, o promove online, e depois vende todas as suas participações — ou rapidamente, ou ao longo do tempo – provocando uma queda do seu valor.
Estas ações ocupam numa zona cinzenta do ponto de vista jurídico, dizem os advogados, mas são condenadas na criptosfera como sendo, no mínimo, eticamente duvidosas.
Depois de ter abandonado a Gen Z Quant, o filho de Biesk fez a mesma coisa com mais duas moedas — uma chamada “Im Sorry” e outra chamada “My Dog Lucy” — elevando os seus ganhos para mais de 50.000 dólares, cerca de 47.000 euros.
A reação da comunidade foi rápida e feroz. Uma torrente de insultos e ameaças de traders que tinham comprado a memecoin e se sentiam enganados começou a chegar ao chat do Pump.Fun.
“Seu vigarista de m****“, escreveu um utilizador. Pouco depis, os nomes e as fotografias de Biesk, do seu filho e de outros membros da família começaram a circular no X/Twitter. “O nosso telefone começou a explodir. Era telefonema atrás de telefonema”, conta Biesk. “Foi uma situação muito assustadora“.
Poucas horas depois, uma conta no X/Twitter com o nome do filho de Biesk fez um post com um pedido de desculpas. “Peço desculpa pelo Quant, não sabia que iria receber tanto dinheiro. Por favor, não escrevam aos meus pais, eu pago-vos“, lê-se no post. Mas Biesk afirma que a conta não é gerida pelo seu filho.
Embora alarmado com a reação negativa, Biesk está impressionado com o espírito empreendedor e a capacidade técnica do filho. “Na verdade, isto é uma espécie de plataforma de negociação sofisticada”, diz. “É óbvio que ele aprendeu sozinho“.
Entretanto, a vingança dos traders começou a atingir requintes de malvadez: continuaram a comprar Gen Z Quant, elevando o preço da moeda — que atingiu um valor muito mais alto do que o nível a que o filho de Biesk tinha vendido os seus tokens.
No seu pico de valorização, por volta das 3:00 da manhã seguinte, a moeda tinha um valor total teórico de 72 milhões de dólares — 68 milhões de euros; os tokens que o adolescente inicialmente possuía valeriam na altura mais de 2.8 milhões de euros.
Neste momento, apesar de o frenesim inicial de transações ter diminuído, os tokens de Gen Z Quant continuam a valer o dobro do montante que o adolescente recebeu com o seu soft rug pull.
“No final, muitas pessoas acabaram por ganhar dinheiro com a moeda dele. Mas para nós, apanhados no meio, houve muita emoção”, diz Biesk. “A reação online foi tão assustadora que a constatação de que ele tinha ganho dinheiro foi atenuada pelo facto de as pessoas se terem zangado e começado a fazer bullying.”
Biesk diz ter conhecimento limitado das criptomoedas, mas vê pouca diferença entre o que o filho fez e apostar no mercado de ações ou num casino: alguns têm que perder para que outros lucrem.
As memecoins existem desde 2013, ano em que foi lançada a Dogecoin — a famosa criptomoeda apadrinhada por Elon Musk.
Nos anos seguintes, alguns criadores tentaram replicar o sucesso da Dogecoin, tirando partido de memes populares da Internet, mas o custo e a complexidade da sua criação limitaram o número de memecoins que chegaram efetivamente ao mercado.
Estes dois fatores foram no entanto eliminados da equação em janeiro, com o lançamento do Pump.Fun, que permite às pessoas lançar novas memecoins instantaneamente, sem qualquer custo. Desde então, milhões de moedas exclusivas foram lançadas no mercado através da plataforma.
O Pump.Fun oferece uma forma mais segura de negociar memecoins, padronizando o código subjacente, o que evita que os programadores criem mecanismos maliciosos para roubar fundos — o chamado “hard rug pull“.
No entanto, a plataforma descobriu que é impossível proteger os utilizadores de um soft rug pull como o o filho de Biesk protagonizou.
Embora a plataforma dê aos utilizadores acesso a informações que ajudam a avaliar o risco, como a proporção de uma moeda que pertença a um pequeno grupo de grandes detentores, as soft rug pulls são difíceis de evitar por meios técnicos.
“A esmagadora maioria dos novos tokens de criptografia que entram no mercado são fraudes de uma forma ou de outra, projetadas expressamente para espremer o dinheiro dos compradores, não para manter um valor sustentado a longo prazo”, diz à Wired Ido Ben-Natan, fundador da empresa de segurança de criptografia Blockaid.
“Mas, agora que o comércio de memecoins se tornou popular em todo o mundo, não há foma de meter outra vez o génio na garrafa“, diz Ben-Natan.