Quando o clima muda, quais organismos sobrevivem e quais morrem? Numa investigação recentemente divulgada, foi analisado como as espécies marinhas e de água doce são afetadas pelas alterações climáticas.
Os organismos vivos, quer sejam peixes ou humanos, tendem a funcionar pior à medida que a temperatura aumenta. Mas o que ocorre precisamente no interior do corpo quando este se torna desconfortavelmente quente?
Para descobrir a resposta, investigadores do Departamento de Biologia da Universidade de Ciência e Tecnologia Norueguesa (NTNU) combinaram a tecnologia genética com técnicas neurofisiológicas.
“Queríamos olhar para os mecanismos que limitam a tolerância térmica dos organismos. Que animais sobreviverão quando a temperatura da Terra aumentar devido às alterações climáticas? E porquê? Optámos por olhar para o cérebro”, explicou Anna Andreassen, uma das cientistas envolvidas no projeto.
Os animais marinhos estão expostos a temperaturas que aumentam para níveis fatais e as ondas de calor que atravessam os continentes estão a tornar-se mais frequentes, como lembrou um artigo do Sci Tech Daily, que cita o estudo, divulgado recentemente na Proceedings of the National Academy of Sciences.
“A tolerância térmica é um tema que tem sido investigado há décadas e a ideia de que a temperatura afeta a atividade cerebral é antiga. O que é novo é que podemos usar tecnologia genética e neurofisiologia para estudar o fenómeno”, referiu Andreassen.
Os investigadores da NTNU estudaram a atividade cerebral das larvas de peixe-zebra enquanto aumentavam progressivamente a temperatura.
“Estes peixes foram geneticamente modificados para que os neurónios emitissem uma luz fluorescente quando estão ativos. Podemos ver esta luz sob um microscópio (…) Estas larvas também têm a vantagem de serem transparentes. Podemos olhar diretamente para o cérebro das larvas vivas”, apontou.
“Verificámos como as larvas se comportam à medida que ficam mais quentes. Quando começam a ficar extremamente quentes, perdem o equilíbrio e começam a nadar em círculos, de barriga para cima”, explicou a investigadora.
Os investigadores empurraram então a cauda das larvas, o que normalmente desencadeia uma resposta de natação, para verificar a sua resposta.
“A uma certa temperatura, os peixes deixaram de reagir. Ainda estavam vivos, mas, num sentido ecológico, podiam ser considerados mortos. Nessa condição na natureza, não seriam capazes de nadar para longe dos predadores ou encontrar o seu caminho para águas mais frias”, indicou Andreassen.
Contudo, assim que foram novamente colocados em águas mais frias, os peixes retomam “a boa forma”, acrescentou.
À medida que a temperatura aumentava, o cérebro deixava de responder a estímulos e ficava completamente inativo. Depois, quando aumentaram um pouco mais a temperatura, algo aconteceu. “Todo o cérebro se iluminou. O mais perto que posso chegar de descrever o que vimos foi uma espécie de convulsão”, esclareceu.
Normalmente, só se vê atividade cerebral sob a forma de pequenas manchas de luz, em partes específicas do cérebro. Nesta investigação, os investigadores observaram ao microscópio como a luz fluorescente se espalhava em poucos segundos e cobria todo o cérebro das pequenas larvas.
“Sabemos que os cérebros dos peixes-zebra têm muito em comum com o cérebro humano – 70% do material genético é o mesmo – e os investigadores especulam se pode haver uma ligação entre o que vimos nestas larvas e o que se vê no cérebro das crianças que têm febre”, indicou a investigadora.
A seguir, os investigadores querem analisar as células gliais. De acordo com a investigadora, “sstas células (…) verificam o nível de oxigénio e regulam o fluxo sanguíneo e, por conseguinte, o fornecimento de oxigénio”.
“Como os níveis de oxigénio afetam a tolerância térmica, uma hipótese é que o cérebro deixe de funcionar porque as células gliais já não são capazes de regular o nível de oxigénio”, concluiu.
Numa fase seguinte do estudo, os investigadores manipularam a quantidade de oxigénio na água, ao mesmo tempo que aumentavam a temperatura.
“Para nossa surpresa, descobrimos que o nível de oxigénio desempenhou um papel no controlo da tolerância térmica. Quando adicionámos oxigénio, as larvas saíram-se melhor com as temperaturas elevadas, tinham uma maior atividade cerebral e também recuperavam mais rapidamente ao serem expostas a limites térmicos superiores, em comparação com os peixes com pouco oxigénio”, explicou.
Os resultados “mostraram que a tolerância térmica é algo que varia entre as espécies. Esta poderia ser uma característica que determina se uma espécie é capaz de se adaptar às alterações climáticas ou sucumbirá ao aumento das temperaturas. Muitos organismos vivem em ambientes pobres em oxigénio, onde as temperaturas podem tornar-se rapidamente mais altas do que o normal. Eles serão especialmente vulneráveis”, notou Andreassen.
A cientista dá como exemplo os organismos que vivem em zonas pouco profundas de água doce, em rios, ou em zonas costeiras.
“Estes são habitats onde podem ocorrer grandes flutuações no nível de oxigénio, muitas vezes ao mesmo tempo que ocorrem flutuações de temperatura. Aí, os peixes cuja tolerância térmica é limitada pelo nível de oxigénio são suscetíveis de se debaterem mais do que os peixes que não são afetados por ele”, disse.
E completou: “os animais que conseguem manter a função nervosa sob baixos níveis de oxigénio podem ser os que toleram melhor temperaturas elevadas”.