Abusos na Igreja são realidade “muito mais sombria” do que pensava, diz bispo do Porto

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Diocese do Porto/JLC

O bispo do Porto, Manuel Linda.

O bispo do Porto, Manuel Linda, reconheceu hoje que os abusos sexuais na Igreja portuguesa são uma realidade “muito mais sombria” do que pensava e disse ser este o tempo para “clérigos e leigos” assumirem responsabilidades e denunciarem os crimes.

“Temos amarguradamente de reconhecer que a realidade é muito mais sombria e dolorosa do eu que pensava. Fique muito claro que sofro e deploro liminarmente esse flagelo dos crimes de natureza sexual cometidos contra menores ou pessoas vulneráveis. E que tudo farei para lhes pôr cobro”, escreve Manuel Linda numa Nota Episcopal hoje enviada.

Assumindo a “falha da Igreja em proteger e acolher os mais frágeis”, o bispo do Porto defende ser este o “tempo propício” para todos, clérigos e leigos, assumirem a responsabilidade de erradicar dos ambientes eclesiais e de toda a sociedade qualquer tipo de abuso, “defendendo intransigentemente os mais frágeis, acautelando preventivamente qualquer situação de risco e denunciando os crimes para que se faça justiça”.

“Sobre isto não deve haver qualquer dúvida. A ‘tolerância zero’ que o Papa Francisco declarou para toda a Igreja é a que desejo igualmente na nossa Diocese”, salienta.

A Nota Episcopal de hoje surge após um “período de silêncio, reflexão e discernimento” de algumas semanas de Manuel Linda, depois de ter sido “objeto de várias notícias e comentários”.

O primeiro caso citado na Nota Episcopal ocorreu no princípio do mês quando foi questionado sobre a “obrigatoriedade ou não de denúncia dos casos de abuso sexual de menores”.

Em causa uma notícia de 03 de outubro, ainda disponível na página da CNN Portugal, onde Manuel Linda diz que “ainda hoje, oficialmente, o crime de abuso não é um crime público, portanto não há obrigatoriedade de denúncia”.

“Embora vincando bem que todos o estamos a fazer e que a nossa Diocese sempre assim procederá, na minha resposta, acabei por deixar dúvidas quanto à noção de ‘crime público’”, indica o clérigo que logo acrescenta: “assumo que não fui feliz na expressão e que, porventura, tornei incompreensível o meu próprio pensamento. E disso peço desculpa a todos e perdão às vítimas que, possivelmente, se sentiram feridas”.

No documento hoje enviado, Manuel Linda refere que “este acontecimento” espoletou uma “busca de pronunciamentos” seus sobre abusos na igreja, nomeadamente quando, “há quase quatro anos”, usou a expressão “queda de um meteorito”.

Em 20 de abril de 2019, numa entrevista à TSF, disponível online, Manuel Linda dizia que não iria avançar com uma comissão para controlo dos casos de abusos sexuais de menores na igreja porque, como comparou, “ninguém cria, por exemplo, uma comissão para estudar os efeitos do impacto de um meteorito na cidade do Porto”.

“Nessa altura, embora se falasse da criação de Comissões Diocesanas para a receção de denúncias de abusos, a Santa Sé ainda não tinha ordenado a sua constituição. Ora, mal cheguei à Diocese, fui confrontado com uma denúncia que tratei juntamente com o Vigário Geral”, explica agora.

Manuel Linda admite ainda que “estava convencido que as estruturas existentes na Diocese”, e ele próprio, seriam suficientes para tratar dos casos, mas que, quando se tornaram obrigatórias, criou no Porto “uma das primeiras [comissões] em Portugal”.

“Outra expressão que não caiu bem foi usar o termo ‘asneiras’ relativamente a esses casos [de abusos sexuais na igreja]. Ora, na minha zona de origem essa palavra designa qualquer ação perversa. Não era, pois, minha intenção menorizar o terrível crime dos abusos”, diz.

Na mesma entrevista de abril de 2019 à TSF, sobre casos de abusos sexuais de menores na igreja, Manuel Linda respondeu: “Estamos a mudar tudo a nível, fundamentalmente, da formação dos nossos alunos dos seminários, no acompanhamento, na formação contínua do clero. Mesmo assim, alguém pode de facto fazer asneiras? Ai é possível, é possível sempre”.

// Lusa

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